Fausto Zamboni
(…)
Frederic Jameson confirma o
caráter político dos Estudos Culturais, ao dizer que mais importante que a sua
formulação rigorosa é a possibilidade de alianças sociais num contexto em que a
nova direita combate estes estudos como politicamente corretos.
Trata-se de uma visão
anti-intelectualista, de quem se preocupa menos com o conhecimento da própria
posição do que com o reforço das suas fileiras no combate do adversário: não
importa o que sejam os Estudos Culturais, desde que estejam alinhados à
esquerda.
A estrita divisão da
intelectualidade entre “amigos” e “inimigos” chega à total impossibilidade do
diálogo quando a própria argumentação o racional [e catalogada como uma
construção da razão burguesa, instrumento legitimador do status quo e
ferramenta para oprimir os discordantes, que são classificados como idiotas ou
loucos.
O que se chama “verdade” é
antes “discurso legitimador” que impõe e ao mesmo tempo oculta a fonte do seu
poder. É inútil argumentar que esta concepção pretende ser verdadeira, e não um
mero discurso legitimador: qualquer alegação em contrário será avaliada não
pelo seu conteúdo racional, mas pelo seu pretenso objetivo político, seja
explícito ou camuflado, consciente ou inconsciente.
Não raro a discussão desvia-se para a intimidação pessoal: o oponente é acusado de ser agente da classe dominante, racista, homofóbico, sem nenhuma justificativa e sem a apresentação de provas, bastando a discordância intelectual para disparar o gatilho da insinuação maliciosa ou da acusação aberta.
Consentir no desvio do eixo de atenção da discussão racional para a acusação
pessoal significa elevar o bullying à dignidade do debate acadêmico.
Neste caso, não é mais possível discutir: é preciso desmascarar o estratagema e
expor a atitude do oponente para que ele seja obrigado a voltar à discussão (ou
a abandonar de vez o pseudo-diálogo).
Um dos segredos do sucesso dos estudos críticos é que eles se adaptam bem ao ensino massificado, liberando alunos e pesquisadores das dificuldades do estudo. Dividindo a “extensa república das letras em mocinhos e bandidos”, aliviam o aluno “do fardo da empatia imaginativa, das dificuldades da discriminação estética”.
O “inimigo” é apresentado com
uma formulação tão rígida que é fácil combatê-lo e destruí-lo. Um exemplo dessa
mentalidade está no livro Cultura letrada: literatura e leitura, de
Márcia Abreu (2004), que condena os preconceitos da literatura erudita,
especialmente as hierarquias e distinções valorativas – que seriam sempre
parciais – desejando a convivência pacífica de todo tipo de leitura.
Os supostos preconceitos são
simplificados até a deformação, tornam-se bonecos de palha que são facilmente vencidos
na discussão farsesca.
A multiplicação de grupos
religiosos, culturais, étnicos e até de gêneros sexuais que reivindicam
direitos e defendem uma agenda abertamente política alterou profundamente o
panorama acadêmico. O discurso acusador e vitimizador exacerbou as divisões e
os ressentimentos.
“Nossa recém-descoberta
sensibilidade”, diz Robert Hughes, “decreta que só a vítima pode ser o herói”,
cuja condição decaída advém do “fato de lhe ter sido negada a paridade com a
Besta Loira da imaginação sentimental, o homem branco heterossexual de classe
média”.
A intelectualidade,
concentrada na defesa da autoestima de cada grupo, de cada minoria,
puerilizou-se. “É como se todo encontro humano fosse um ponto sensível, eriçado
de oportunidades de involuntariamente distribuir, e receber, ofensas”.
Roger Kimball acredita que,
para cacaterizar esse estado de espírito,
“provavelmente a palavra mais generosa que se poderia propor seri8a
adolescente – afinal, o que poderia ser mais adolescente do que esse espírito
de desprezo misturado com um narcisismo quase cômico?”
O cultivo ferrenho do
amor-próprio e da autoestima não se adequa à imparcialidade necessária à
prática intelectual.
Mas o objetivo de muitos não é
compreender o9 mundo, e sim transformá-lo. Para isso, apelam a uma retórica
travestida de ciência, a fórmula mesma do discurso ideológico.
O silogismo assume a forma da erística: o argumentador procura vencer o debate
partindo de bases falsas ou premissas ocultas injustificáveis, camuflando ou
realçando os dados que melhor se adequam à conclusão pré-existente.
(…)
Digitação: JP, 21-7-2023
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