terça-feira, 18 de julho de 2023

[Livros & Leituras] Impasses e progressos da liberdade

Academia Monergista, Brasília, DF, agosto de 2021, 120 páginas.

Em certo lugar, Georges Gusdorf, tratando sobre as controvérsias filosóficas em torno do conceito de liberdade, disse que uma história da filosofia realmente objetiva partiria, em tese, de um levantamento dos significados dos termos filosóficos e das mudanças e nuances que adquiriram ao longo do tempo e espaço; pois, afinal, valendo-se dos mesmos vocábulos, os homens afirmam coisas bastante diferentes.

Partindo dessa intuição, o filósofo francês explora as dificuldades e por vezes a impressão de esterilidade dos debates acerca da liberdade, a qual visivelmente constitui, desde há muito, uma das ideias centrais e um dos valores motrizes do Ocidente. Com efeito, quase todas as guerras, revoluções e movimentos sociais nos últimos séculos ostentam concepções antagonistas de liberdade, embora, como testemunhamos, nenhum deles jamais ousou pôr-se como seu adversário.

Defrontando, pois, os lugares-comuns, Gusdorf lembra-nos que, não obstante o espaço mental do Ocidente ter-se originado de uma amálgama do património mítico da cultura helênica e romana e dos dogmas e valores introduzidos pela revelação judaico-cristã, essas representações sempre se mostram apenas fragilmente compatíveis entre si; daí as dificuldades (e provisoridade) dos sistemas e arquiteturas filosóficos que tentaram uma conciliação derradeira entre essas diversas fontes.

O filósofo move-se, portanto, nesse emaranhado, buscando precisamente os significados e intenções de quem invoca a liberdade. Não é, certamente, tarefa fácil, no entanto, esse empreendimento intelectual tampouco é inútil, pois uma história de liberdade é também uma história da cultura.

Para Georges Gusdorf, a atividade filosófica, além de comprometimento vital com as dimensões de sentido a que o ser humano tem acesso na plenitude de suas experiências, se constitui também como uma constante retomada das intenções e entendimentos dos pensadores do passado, para que, afirmando uma continuidade com a “paisagem espiritual” na qual atuaram os grandes filósofos, seja possível o esboço de um inventário do presente.

Isto é, os conceitos do presente estão de certo modo emaranhados nos labirintos e intenções por vezes obscuros do passado, e cabe, pois, ao filósofo destrinchá-los e reintegrá-los na sua própria linguagem.

A liberdade é certamente um dos conceitos mais difusos nas sociedades modernas, e abrange por vezes desde propostas alienantes e autonomistas, muitas vezes autocontraditórias, até dinâmicas essenciais para a existência irremediavelmente histórica do homem.

Na filosofia ocidental, é justamente no interior desse espaço mental formado pela confluência das doutrinas, imagens e visões de mundo que constituíram a Europa e posteriormente o Novo Mundo, que, imaginando se situarem no absoluto, encontram-se pensadores tão diferentes quanto Descartes, Spinoza, Kant e todos os teóricos da liberdade até Hegel, Marx e Jules Lequier.

Como se vê, todos eles, dialogando ou não entre si, por vezes contribuíram para os progressos no entendimento (e estabelecimento) da liberdade, e, por outras, voluntariamente ou não, foram os responsáveis pelos impasses desse valor

Ciente dessas dificuldades e controvérsias, Gusdorf não permite nem propõe a dissolução do exercício filosófico na relatividade e particularidade.

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L'Ukraine et le basculement du monde 

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