Edição Gradiva Publicações, Lisboa, outubro de 2018 |
Almas de outro mundo num corpo
humano, demasiado humano, ou organismos biológicos?
Seremos realmente livres, ou
apenas nos parece que o somos? Como viver da melhor maneira, e como organizar a
vida política?
Estas e outras grandes
questões filosóficas são abordadas sem tecnicismos, numa linguagem fluente e
generosa para com o leitor. É um pouco como ouvir a posição de um filósofo
experiente, que explica da maneira mais simples, mas sem simplismos, as
armadilhas que temos de evitar para que pensemos por nós próprios com clareza
sobre o que mais importa.
Simon Blackburn (n. 1944) [foto] é um
filósofo inglês, membro do Trinity College da Universidade de Cambridge,
investigador da Universidade da Carolina do Norte em Chapel Hill, e professor
do New College de Humanidades de Londres.
Autor de mais de dez livros de filosofia e de inúmeros artigos e recensões, destacou-se na área da metaética por defender o quasi-realismo, uma posição inspirada em Hume e que procura manter a objetividade dos juízos morais ao mesmo tempo que rejeita a existência de um domínio misterioso de realidades morais.
(…)
Fiquei contente de saber que o
Brasil é um dos poucos países no mundo em que a filosofia faz parte do
currículo escolar obrigatório.
Crianças são filósofos
naturais. Todavia, esse talento é, com frequência, inibido nelas por nós
adultos, que dissemos para elas se calarem, para não fazerem certas perguntas e
para não se preocuparem com certas coisas.
Por conseguinte, as crianças
acabam aprendendo a seguir o currículo obrigatório sem fazer perguntas, a
resolver as equações e seguir em frente.
Essa supressão do
questionamento e do espírito reflexivo é fatal para a educação. Esse ponto pode
ser ilustrado por um exemplo tirado da educação da minha filha. Esta é uma
história verídica. Minha filha frequentou escolas muito boas e caras em Oxford
quando eu ali lecionava.
Um dia, quando tinha por volta
de 15 anos, ela se aproximou de mim e disse: "eu cansei de física, eu
odeio física, eu odeio ciência, eu não vou mais estudar ciência", e
respondi: "mas o que está acontecendo?", e ela: "eu não entendo
nada".
O que tinha acontecido na
verdade é que eles precisavam resolver um problema relacionado à oscilação do
pêndulo; eles deviam resolver uma equação sobre a velocidade do pêndulo na
ponta de baixo usando uma equação que envolvia energia potencial, no topo do
pêndulo, e energia cinética, na ponta de baixo do pêndulo. É um cálculo
bastante simples.
Eu disse: "está bem, e o
que você não entendeu?". E ela: "eu não entendi o que é essa coisa
que ele chama de energia; o pêndulo no topo não tem energia, ele não está
fazendo nada, ele está só ali parado, então por que deveríamos dizer que ele
tem energia e que tem energia que se traduz em velocidade?". Ao que
respondi: "e você perguntou isso para o professor?", e minha filha
disse que sim, que tinha perguntado para o professor, e o que o professor tinha
respondido: "resolva a equação e não faça perguntas".
O resultado do diálogo vocês
já conhecem, minha filha chegou em casa e disse "eu cansei de ciência, não
estudo mais isso", e de fato foi o que ela fez, desistiu de ciência pouco
tempo depois.
Eis uma ilustração de como não
lecionar, de como não educar pessoas. Pode até ser que as colegas de classe da
minha filha que resolveram a equação tenham ido para a universidade e tenham se
tornado muito boas em todo tipo de coisa; não nego que essa seja uma maneira de
capacitar pessoas a exibir certas habilidades.
Tais pessoas podem certamente
vir a se tornar engenheiros, doutores ou algo assim, mas isso não é uma
educação, isso não aumenta nosso entendimento das engrenagens do mundo.
Fronteiras.com,
janeiro de 2017
Gostei muito! 💙
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