terça-feira, 13 de junho de 2023

Será tudo relativo?

Problemas de tolerância, verdade e confiança

Simon Blackburn

Em 2005, na véspera da sua ascensão ao trono de São Pedro, o Cardeal Ratzinger – em breve o Papa Benedito XVI – pregou não contra a pobreza, a guerra ou a avareza, mas sim contra algo denominado relativismo, referindo-se ao tipo de atitude que ganha expressão quando as pessoas dizem «Tudo depende da maneira de ver as coisas», ou «Depende de cada qual», ou «Se é isso que te serve, tudo bem», ou no linguajar dos jovens da atualidade, «Tanto faz». Mais precisamente, o relativismo é a perspectiva segundo a qual a verdade é coisa que não existe.

Há apenas a sua verdade, a minha verdade e a verdade deles. Qualquer tentativa de privilegiar uma delas não passa de um abuso de poder, e, no seu pior, algo como o imperialismo ou o colonialismo, o que sugere a infantilização e os desrespeito dos outros.

Ansiedade papal

Não estou certo de que tenha sido sábia a escolha do Papa, dado haver um problema específico em pregar contra o relativismo. O problema é que o relativista ouve esta pregação do seu próprio modo, e mesmo a autoridade papal é impotente para impedi-lo de o fazer.

O Papa reivindica autoridade, ou, na verdade, a autoridade: a voz de Deus na Terra. Evidentemente, portanto, tem de fazer campanha a favor da sua própria verdade, objetividade, racionalidade e certeza. Estou a revelar a verdade, diz. No entanto, com um gesto de desdém, o relativista dirá: isso é apenas ele. É apenas ele a fazer campanha a favor da sua gama bastante específica de horizontes fechados. É apenas a perspectiva dele, e eu tenho a minha, e tu tens a tua. No fim, não há mais coisa alguma.

Podemos compreender que o Papa fique nervoso com este tipo de atitude. Esta atitude é também um desafio a que os filósofos tentam responder quando defendem a perspectiva conservadora segundo a qual há padrões reais, e que não é apenas nas ciências, mas talvez também na ética e na estética, na história e na sociologia, que podemos aspirar a opiniões que são objetivas e razoáveis, e até mesmo verdadeiras.

Os oponentes a temer não são tanto aquelas pessoas que claramente discordam de alguns dos nossos juízos nestas áreas. Falamos a mesma língua deles. Chamamos a atenção para os aspectos de seja o que for de que estejamos a falar. Consideramos que estes aspectos devem influenciá-los, e eles chamam a atenção para os aspectos que, pensam, devem influenciar-nos, e isto acontece até um de nós ser influenciado, ou concordarmos em discordar, ou entramos em guerra.

O oponente relativista que nos irrita é, ao invés, alguém que se considera inteiramente acima desta atividade. Adquiriu uma espécie de perspectiva divina acerca dos debates que envolvem os mortais menores. Vê o funcionamento da humanidade como aquilo que realmente é: as evoluções históricas de animais tentando sobreviver, as várias interpretações de instrumentos diferentemente calibrados, os confrontos das vontades.

Este relativista vê táticas, manipulações e exercícios de poder. Vê persuasão e tendenciosidade. E se algum dos participantes começar a falar de razão e verdade, o relativista vê apenas a mesma coisa uma vez mais, acrescida de ornamentos.

(…)

Título e Texto: Simon Blackburn, in “As grandes questões da Filosofia”, páginas 133/135
Digitação: JP, 13-6-2023


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