Problemas de tolerância, verdade e confiança
Simon
Blackburn
Em 2005, na véspera da sua
ascensão ao trono de São Pedro, o Cardeal Ratzinger – em breve o Papa Benedito
XVI – pregou não contra a pobreza, a guerra ou a avareza, mas sim contra algo
denominado relativismo, referindo-se ao tipo de atitude que ganha expressão
quando as pessoas dizem «Tudo depende da maneira de ver as coisas», ou «Depende
de cada qual», ou «Se é isso que te serve, tudo bem», ou no linguajar dos
jovens da atualidade, «Tanto faz». Mais precisamente, o relativismo é a
perspectiva segundo a qual a verdade é coisa que não existe.
Há apenas a sua verdade, a
minha verdade e a verdade deles. Qualquer tentativa de privilegiar uma delas
não passa de um abuso de poder, e, no seu pior, algo como o imperialismo ou o
colonialismo, o que sugere a infantilização e os desrespeito dos outros.
Ansiedade
papal
Não estou certo de que tenha
sido sábia a escolha do Papa, dado haver um problema específico em pregar
contra o relativismo. O problema é que o relativista ouve esta pregação do seu
próprio modo, e mesmo a autoridade papal é impotente para impedi-lo de o fazer.
O Papa reivindica autoridade, ou, na verdade, a autoridade: a voz de Deus na Terra. Evidentemente, portanto, tem de fazer campanha a favor da sua própria verdade, objetividade, racionalidade e certeza. Estou a revelar a verdade, diz. No entanto, com um gesto de desdém, o relativista dirá: isso é apenas ele. É apenas ele a fazer campanha a favor da sua gama bastante específica de horizontes fechados. É apenas a perspectiva dele, e eu tenho a minha, e tu tens a tua. No fim, não há mais coisa alguma.
Podemos compreender que o Papa
fique nervoso com este tipo de atitude. Esta atitude é também um desafio a que
os filósofos tentam responder quando defendem a perspectiva conservadora
segundo a qual há padrões reais, e que não é apenas nas ciências, mas talvez
também na ética e na estética, na história e na sociologia, que podemos aspirar
a opiniões que são objetivas e razoáveis, e até mesmo verdadeiras.
Os oponentes a temer não são
tanto aquelas pessoas que claramente discordam de alguns dos nossos juízos
nestas áreas. Falamos a mesma língua deles. Chamamos a atenção para os aspectos
de seja o que for de que estejamos a falar. Consideramos que estes aspectos
devem influenciá-los, e eles chamam a atenção para os aspectos que, pensam,
devem influenciar-nos, e isto acontece até um de nós ser influenciado, ou
concordarmos em discordar, ou entramos em guerra.
O oponente relativista que nos
irrita é, ao invés, alguém que se considera inteiramente acima desta atividade.
Adquiriu uma espécie de perspectiva divina acerca dos debates que envolvem os
mortais menores. Vê o funcionamento da humanidade como aquilo que realmente é:
as evoluções históricas de animais tentando sobreviver, as várias
interpretações de instrumentos diferentemente calibrados, os confrontos das
vontades.
Este relativista vê táticas,
manipulações e exercícios de poder. Vê persuasão e tendenciosidade. E se algum
dos participantes começar a falar de razão e verdade, o relativista vê apenas a
mesma coisa uma vez mais, acrescida de ornamentos.
(…)
Digitação: JP, 13-6-2023
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