Carina Bratt
OS IRMÃOS GRIMM, em uma de suas infindáveis e inesquecíveis histórias infantis (se não me falha a memória, ‘As três plumas’), nos dão conta de um rei simpático que morava num país distante e que tinha três filhos varões. Dois deles, inteligentes, espertos, davam nó em pingo d’água. Viam através do que se fazia além das aparências ou do que se imaginava invisível e inalcançável. Em dias atuais, poriam o Alexandre de Moraes no chinelo e ainda roubariam as joias da esposa de Lula num simples acender e apagar de uma lâmpada. Ainda que ela estivesse queimada.
O terceiro, se fazia modesto, singelo, comedido, discreto, moderado, de pouca fala e divorciado das coisas corriqueiras do cotidiano. Em razão disso, os irmãos soberbos e ruidosos, convencidos e arrogantes, o alcunharam de ‘João Bocó’. O pai do trio, repetindo, um rei, estava velho demais e depauperado. A saúde, às portas de lhe definhar o espírito. Sabia que partiria de uma hora para outra. Sua preocupação maior se fundava em não saber, ou em desconhecer entre os rebentos, quem deveria herdar o reino, quando estivesse morto e enterrado.
Numa dessas noites de vigília, em conversa com a rainha, depois de um longo bate papo que durou até o amanhecer, o casal de velhinhos tive uma ideia sensacional. Por conta, o soberano, às primeiras horas, pulou contente e rindo de um canto a outro da boca. Aprovou a ideia juntamente levando em conta a teoria proposta pela esposa. Diante dessa nova brecha inesperada que viera em boa hora, resolveu colocar em prática o evento sem mais delongas. Depois do dejejum, chamou os três rapazes e botou lenha no fogo sapecando a bundinha do caldeirão:‘— Quero que vocês saiam agora. Aquele que me trouxer o tapete mais lindo será meu sucessor quando eu bater com as doze. ’
Pontuado esse discurso curto e grosso, o sujeito conduziu os três filhos até o portal do suntuoso palácio ao tempo em que, tirando de uma caixinha de sapatos três plumas iguais, soprou as ao sabor do vento que vinha das montanhas que circundavam a quinta, transformando o lugar num verdadeiro paraíso:‘
— Vocês deverão seguir estas plumas’.E as belezuras, como por encanto, voaram direções diferentes. Os dois mancebos, mais ardilosos e desembaraçados, se puseram em marcha, um para a direita, outro para a esquerda, cada um, logicamente, em trajeto ao sabor da rota que cada uma delas desenhava em pleno céu límpido e claro.
É bom que se deixe registrado, os dois irmãos mais sagazes e desembaraçados, se puseram em ação, não sem antes tirarem sarro e gozarem descaradamente da fuça do pobre irmão que parecia meio abobalhado diante daquele quadro desenhado pelo pai. Das três plumas, todas sumiram. Contudo, a terceira, ao perder terreno, o fez numa clareira próxima de onde os consanguíneos empreenderam a empreitada. João Bocó, desanimado, chateado e deprimido, mergulhou num pranto silencioso e se viu impotente. Pior, se fechou num semblante triste e macambúzio, sem um pingo de esperança para vencer aquela dura contenda que prometia ser ... (continua, com ‘final’ no próximo domingo, 25-6).
Título e Texto: Carina Bratt, da Lagoa Rodrigo de Freitas, no Rio de Janeiro. 18-6-2023
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