domingo, 11 de junho de 2023

[As danações de Carina] Cena urbana


Carina Bratt 

A PIÇARRA ESTAVA pê da vida com a Madelaine: 
Madelaine:
— O que foi que eu fiz agora que você está tão furiosa e trepada nos cascos?
Piçarra:
— A sua imbecilidade galopante, criatura. Cheguei à conclusão que você é uma toupeira com duas mãos inúteis.
Madelaine:
— Abra o jogo. Que foi dessa vez?

Piçarra:
— Você foi corvejar com a Lambretina, a mulher do Chico Peludo. Um fuxico, sua vadia é como um naco de carne jogado num ventilador em casa de pobre. Todo mundo avança ao mesmo tempo. Nem o ventilador escapa dos talheres famintos ...
Madelaine:
— Ah, então é isso? Lambretina só me perguntou se eu sabia de algo.
Piçarra:
— Sim. E você ao invés de enfiar a língua no... abriu a matraca. Por conta desse seu destrambelho, estou sofrendo mais que a gata borralheira. Meu companheiro disse que vai embora de mala e cuia.

Madelaine:
— Desculpe Piçarra. Não sabia que a coisa estava assim tão aprofundada.
Piçarra:
— A ‘metade da maça’ da Lambretina, para mim, é como o cabrito. A gente aproveita até a bosta.
Madelaine:
— E para que serve a bosta do cabrito?
Piçarra:
— Para esterco. É o melhor adubo que conheço para certos tipos de plantações. Mandioca, por exemplo, seguido do pepino...
Madelaine:
— Não sabia. Depois do que acabei de ouvir da sua boca cheia de dentes, cheguei à conclusão que o seu melhor amigo é a sua fértil imaginação.

Piçarra:
— Como assim?
Madelaine:
— Você e extremamente criativa e imaginosa. Nem a merda do cabrito lhe escapa dos suores da fala solta.
Piçarra:
— Em tempos bicudos, nada se perde, tudo se aproveita. Assim como a máquina de somar é a melhor aliada de quem trabalha com números, e tão certo como a primavera vem antes do verão, careço de ser criativa, objetiva, andar sempre à frente do meu tempo. Contudo, apesar de toda a minha vivacidade, sempre tomo no olho do traseiro, quando encontro uma língua solta igual você. Bem que me avisaram: não conta nada pra Madelaine. Ela não é de confiança. Não deu outra. Você me entregou de bandeja para a Lambretina.

Madelaine:
— Não entreguei nada, sua lambisgóia de terceira. Você se acha tão esperta... você mesma se fez na berlinda com todos os holofotes acesos em suas pelancas.
Piçarra:
— Eu?
Madelaine
— Sim, você mesma. Todo mundo aqui no bairro sabe que você tem um caso às escondidas com o Chico Peludo. Até os gatos e os cachorros. Outro dia mesmo ouvi um bichano falando com outro sobre vocês. ‘Os pombinhos – disse um à certa altura – dão muito nas vistas’. Quer saber? Você é mais chata que cunhado duro pedindo o cartão de passagem emprestado para pegar o busão e ir trabalhar.

Piçarra:
— E você é mais energúmena que turista de primeira viagem indo para os Estados Unidos sem um centavo no bolso para fazer um cego cantar.
Risos de deboches e escárnios se fazem ouvir numa altura pouso usual.
Madelaine:
— Você me lembra uma rainha sem coroa que alguém quer jogar no lixão aqui perto da pracinha...

Piçarra:
— E você me traz à lembrança a parte do caixão que recorda o defunto em estado de impaciência.
Madelaine:
— E você me deixa cheia de sequelas com lesões vitais.
Piçarra:
— Vou mandar você plantar batatas, sua maluca.
Madelaine
— Eu é que sou maluca? Acaso sou eu quem faz um montão de besteiras?

Piçarra:
— Sim.
Madelaine:
— Diga ai. Sou todinha buracos de ouvidos abertos em alerta e antenados.
Piçarra:
— Você trepa em árvores, sobe em postes, morde garrafas de refrigerantes, acaricia garfos e colheres, e, antes que me esqueça: abraça fogões e geladeiras em lojas de departamentos.
Madelaine:
— Pior você: tem marido e pula cerca com o amante. Coitada da Lambretina.
Piçarra:
— E você, sua desqualificada, está de caso com a filha mais nova da Godofreda. Que vergonha!

As duas mulheres de repente se abespinharam ao mesmo tempo. Madelaine botou para fora uma lista de palavrões os mais cabeludos. Piçarra, para não ficar por baixo, devolveu as imoralidades acrescentando outros impropérios os mais despropositados. Num dado momento, Madelaine entrou em sua casa e se apoderou de um facão. Ao voltar partiu com tudo para cima de Piçarra. Piçarra em defesa própria, igualmente mergulhou em sua residência, passou os dez dedos numa picareta, e, ao retornar, voou com toda fúria para acertar a carcaça magra da Madelaine.

Os vizinhos, em redor, num primeiro momento, só observavam de longe. Todos estavam com seus celulares filmando cada investida, sem tomarem partido. Todavia, minutos à frente, em vista do facão e da picareta se tornarem descontrolados, os mais sensatos acorreram em socorro, antes que as contendoras acabassem, de fato, se matando. A polícia foi chamada. Quinze minutos após o início do fuzuê, encostou nos pés das brigonas, duas viaturas da força militar com um punhado de fardados armados até os fundilhos das cuecas. O soldado que comandava as guarnições, não outro senão o tenente Chico Peludo. As confinantes de portas e portões se viram presas, algemadas e conduzidas, aos berros para a delegacia de polícia.

Título e Texto: Carina Bratt, da Lagoa Rodrigo de Freitas, no Rio de Janeiro. 11-6-2023 

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