domingo, 4 de junho de 2023

[As danações de Carina] Os velhos temores ficaram no meio do nada

Carina Bratt 

O QUE MAIS me aterrorizava, até bem pouco tempo atrás, se perpetuava no exato instante em que eu apagava a luz e mergulhava no silencio do escuro. A partir desse gesto, me defrontava com defuntos de rostos muito brancos e olhos de sofrimentos. Tinha a impressão de que topava, de cara limpa, com fantasmas iracundos chegados de mundos além-túmulo. No entanto, cresci. Me fiz adulta. Não sou mais uma menina adolescente vivendo acometida por vias desconexas, ou dito de forma mais abrangente, não sou mais uma garota perdida nas malhas do nada, sem saber por qual senda seguir de cabeça erguida e sem medo de olhar ao redor. Virei mulher feita. 

Sei exatamente onde tenho o nariz. Me consolidei senhora absoluta de mim. Abandonei, faz tempo (e bota tempo nisso), meus medos e temores escondidos, meus cagaços e sombreamentos. Escudada na linha valente e atrevida, arrojada e impávida do entendimento pleno, não careço mais de me trancar com as horas do cotidiano dentro de um armário de roupas, ou pior, me esconder, sorrateira, debaixo da cama, atarantada, fora de prumo, desnivelada, ‘baratinada’. E por qual motivo tal quadro mudou de figura da noite para o dia? Simples a explicação: porque a alma, a minha alma, não se acha mais atravessada por sarissas pontiagudas, por espaventos e consumições de um passado morto e sem vida. 

Meu ‘hoje-agora’, está vivo e pulsante, o sangue lateja nas veias, meu coração bufa, palpita e se descompassa. A vontade de viver intensamente salta vibrante. Dia seguinte, não me acordo macambuziada ou ladeada de assombros. A maioria desses atravanco ficaram sem forças, se fizeram bobos e mesquinhos. Desfaleceram. Algo indefinido, vez em quando, tentava, a todo custo, agredir a pouca paz que perdurava em meu íntimo.  Um ‘não sei o que’ inventava sortilégios para a aurora dos dias que me restavam ser vividos. Liguei o ‘foda-se’. Não sinto mais por sobre a cabeça, resquícios de uma sombra escura persistindo em estragar a minha paz. 

O desejo maior de alcançar o inalcançável imperou. Aliás, domina. Lá do alto, me dando forças, um Deus maravilhoso governa com autoridade suprema o meu trilhar, ao tempo em que uma onda se empolgação e ventura se fez maior, se agigantou, se engrossou e se multiplicou, mostrando atalhos e desvios, carreadores e picadas em rota de colisão (não com o inesperado), em contrário, de braços dados com uma plenitude serena e sem máculas, engrandecendo e reduplicando, sem subterfúgios, um caminho livre (longo, mas desimpedido) que fará euzinha frontalmente me agarrar sempre, sempre, ao sucesso, ao bem sucedido, à façanha de dias melhores, onde cada manhã me chegará mais forte e invencível, resistente e indestrutível em direção aos meus anseios mais cobiçados. 

Meus receios e contratempos, acabaram. O porvindouro chegou claro e radiante, sem nuvens difusas, agarrado de unhas e dentes num póstero sem fronteiras. Sou feliz. Vivo, meu ‘hoje-agora’, meu ‘agora-hoje’, sem entremeios. Não me sinto oca, vazia ou fraca. Deprimida. Tampouco comprimida. Não tenho o corpo mole, os pés inertes, a alma sem as ofuscações do viço. A alma, a minha alma exubera, se prestigia, se pulsa e se sacia. O divórcio prolatado de um outrora obscuro, por um juiz de meia tigela, pode ter me dado uma sentença de separação das coisas almejadas desfavorável, onde cada parte que formava o núcleo do meu ‘eu’ oculto se fazia medrado, contudo, não desisti, não esmoreci, não me entreguei. 

Meu recôndito partiu em busca de novas frentes de sobrevivência. Escapei, me safei, me arrostei, me aquilatei, me reexaminei. Nesse exato momento, me sinto fertilizada ao chão, em que piso. Me considero uma vencedora. Amigas, acreditem, não me vejo sem abrigo, sem teto, moradora de ruas desertas. Menos ainda me pego desprevenida, sem uma base sólida. Deixei, faz tempo, ficou lá adiante, o barco antigo que me levava às raias da escravidão do sem destino. No ‘ontem’, igualmente aquele porto sem navio, a crente sem igreja, a santinha sem altar, a pecadora errante sem lugar onde dobrar os joelhos. Em linhas gerais, a metade faltosa de alguém que, como eu, buscava incansavelmente a paz constante me completou os ânimos e me fez desempenada, expansiva, assedada aos laços musculosos da Felicidade. Eu sou uma guerreira, uma vencedora, UMA VITORIOSA. Tenho, aqui na Terra, o meu PARNASO. 

Título e Texto: Carina Bratt, da Lagoa Rodrigo de Freitas, no Rio de Janeiro. 4-6-2023 

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3 comentários:

  1. Não gostei do termo "virei".
    Qual o sentido do verbo virar?
    1. Voltar para a posição contrária ou inversa (ex.: vira a página; virei a garrafa para escorrer o azeite). 2. Pôr do avesso (ex.: virar a camisola ).

    Virei mulher feita.
    Nasceste como mulher e tornou-se adulta como tal.
    FINALMENTE ADORO O PARNASIANISMO DE BILAC.
    Via Láctea
    XIII

    “Ora (direis) ouvir estrelas! Certo
    Perdeste o senso!” E eu vos direi, no entanto,
    Que, para ouvi-las, muita vez desperto
    E abro as janelas, pálido de espanto…

    E conversamos toda a noite, enquanto
    A via-láctea, como um pálio aberto,
    Cintila. E, ao vir do sol, saudoso e em pranto,
    Inda as procuro pelo céu deserto.

    Direis agora: “Tresloucado amigo!
    Que conversas com elas? Que sentido
    Tem o que dizem, quando estão contigo?”

    E eu vos direi: “Amai para entendê-las!
    Pois só quem ama pode ter ouvido
    Capaz de ouvir e de entender estrelas”.

    (Via Láctea, 1888)

    “A Pátria” é um exemplo de sua obra voltada ao público infantil, onde se nota a inclinação nacionalista do autor:

    A Pátria

    Ama, com fé e orgulho, a terra em que nasceste!
    Criança! não verás nenhum país como este!
    Olha que céu! que mar! que rios! que floresta!
    A Natureza, aqui, perpetuamente em festa,
    É um seio de mãe a transbordar carinhos.
    Vê que vida há no chão! vê que vida há nos ninhos,
    Que se balançam no ar, entre os ramos inquietos!
    Vê que luz, que calor, que multidão de insetos!
    Vê que grande extensão de matas, onde impera
    Fecunda e luminosa, a eterna primavera!

    Boa terra! jamais negou a quem trabalha
    O pão que mata a fome, o teto que agasalha...

    Quem com o seu suor a fecunda e umedece,
    Vê pago o seu esforço, e é feliz, e enriquece!

    Criança! não verás país nenhum como este:
    Imita na grandeza a terra em que nasceste!

    (Poesias Infantis, 1904)

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  2. INTERESSANTE A PALAVRA ‘VIREI’. Não a vejo como um despropósito bombástico, anfrônico ou trucilento, bem ainda um sentido mais recatado que mereça, de minha parte, maiores cuidados ou atenções mais aprofundadas. Não fui euzinha que a criei, tampouco a primeira a usar em textos. Possivelmente não serei a última. Devo lembrar que não sou uma escritora famosa, nem tenho pretensões de alcançar o estrelato, ou pior, ganhar o Nobel de Literatura por alguma crônica considerada magistral, efêmera, inquestionável ou supimpa. Meus textos são simples, bucólicos, toscos, amenos, ingênuos... alguns sem pé nem cabeça, outros sem as cores predominantes da magia e a maioria dos meus escritos, destituído do português correto como aquele usado pelas grandes figuras da literatura, como Clarice Lispector, Lya Luft, Nélida Pinõn, Ligia Fagundes Teles, Cecília Meireles, Cora Coralina, Rachel de Queirós, Henriqueta Lisboa, Carolina de Jesus, Zélia Gattai, Adélia Prado, Agatha Christie. Eu ‘virei’ o rosto e vi que deixei para o ontem, outras famosas impecáveis que, igualmente a mim, ‘viraram’ os olhos. O padre Fábio de Melo não escondeu debaixo da batina sacerdotal o seu ‘virei’. Ele disse: ‘vire a página. Dê um ponto final nas coisas que te fazem mal. A vida é um círculo, não um quadrado. Tenha pressa em ser feliz, por que nós não sabemos quanto tempo nos resta’. A Wanderleia Isabel, pulou do ‘Pensador’ e também se achegou na área em meu socorro sintetizando o seguinte: ‘Virei mais uma página do livro da vida: uma nova fase... novas experiências... novos erros... novas vidas’. Cassandra Rios em seu romance ‘Eu sou uma lésbica’, deixou clara a seguinte passagem: ‘Virei o cu para ela e ela impiedosamente meteu um pau à semelhança de uma pica no meu pobre e sofrido canal ejetor de bosta. Hoje me pego com as pregas arrombadas e nem sentar direito posso’. Entre mortos e feridos, questiono: qual o sentido do verbo ‘virar?’. Eu viro, tu contornas, ele aderna... nós encurvamos, vós, retorcereis, eles enviesam’. Do livro ‘Os Textículos de Ary Toledo’. Em sentido amplo, creio que o ‘virar’ se enquadra em todas essas situações. ‘Virei mulher feita’, escrevi em minha crônica acima. Poderia ter dito: ‘Me transformei em mulher feita’. Ou ‘Me peguei mulher completa’. A ordem da colocação das letras num texto, não tira o viço, não deprecia o agraço, não atormenta a luxúria. Menos ainda não lhe rouba a consistência, do que se pretende dizer. Via idêntica, não lhe furta a febre do encanto, nem melindra a sedução da modesta e dócil autora. Euzinha.
    Carina Bratt
    Lagoa Rodrigo de Freitas, Rio de Janeiro.

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  3. Virei mais uma página ou virei de bruços para tomar no esgoto, o sentido de tornar-se uma mulher feita é incompleto,

    Cassandra Rios em seu romance ‘Eu sou uma lésbica’, deixou clara a seguinte passagem: ‘"TORNEI" o cu para ela e ela impiedosamente meteu um pau à semelhança de uma pica no meu pobre e sofrido canal ejetor de bosta. Hoje me pego com as pregas arrombadas e nem sentar direito posso.’
    HEMORRÓIDAS E GRANA TODO MUNDO ESCONDE QUE TEM.
    O homem QUE QUER TORNAR-SE MULHER VIROU HOMO OU TRANS e vice versa acontece com a mulher. Para olhar ao lado o rosto não se torna, ele se vira para o lado.
    Para fazer-se sexo no esgoto alguém vira-se de bruços, então não viro um porco torno-me seu irmão gêmeo.
    Não sou TRUCULENTO, NEM NASCI NA PANÔNIA.
    Aceite as críticas, são construtivas.
    Em tempo, pare de imitar, escreva algo instrutivo para os outros, tenha uma posição política-social de ajuda, não de lamentos próprios.
    Mostre o seu PARNASO enfim enquanto isso parai de ler BOSTAS.

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