domingo, 30 de abril de 2023

[As danações de Carina] Colecionadores

Carina Bratt

QUANDO O ASSUNTO é ajuntar futilidades, miudezas, bugigangas ou qualquer outro tipo de besteiras e ninharias, as conversas são as mais variadas possíveis:
— O que você coleciona?
— Selos. E você?
— Latinhas de cerveja. Tenho um amigo que prefere figurinhas de jogadores de futebol.
— E eu uma colega que se amarra em embalagens.
— Que massa!

Esse negócio de coletar determinadas coisas, muitas vezes sem nenhum valor comercial, acabou virando moda, ou melhor, mania. Existem pessoas que se amarram em quinquilharias, recortes com notícias de jornais do tempo do ronca, revistas especializadas em assuntos de televisão, mulheres peladas, homens nus, catástrofes, crimes misteriosos ou hediondos que abalaram a opinião pública, CDs, discos de vinil, gibis do Zorro, do Coyote, do Máscara Negra e do Fantasma, correspondências inúteis, ferramentas quebradas, calcinhas, batons e demais afins de embelezamentos femininos.

Outras são obstinadas em tampinhas de garrafas, cartões telefônicos, clipes, canetas, pesos para papéis, carimbos, telefones velhos, armações de óculos, dinheiro (em papel ou moeda velha ou nova) e também livros raros. Em São Paulo, na cidade de Sorocaba, um garoto conseguiu reunir num cômodo no fundo de seu quintal, vinte e cinco mil caixinhas de fósforos. Em Taguatinga, Brasília, uma mulher vive à cata de maços de cigarros. Todas as marcas possíveis e imagináveis existentes na face da terra, ela tem em casa. Em Franca, São Paulo, um outro sujeito se gaba da maior coleção particular de pares de sapatos.

Exatamente nove mil, seiscentos e oitenta e oito, todos diferentes e, claro, no tamanho da medida de seus pés, embora o cidadão jure pelos colhões de Padim Cíço (ele é de Crato, no Ceará, mesma terra do religioso), que não faz uso de nenhum em especial. Em Harare, Zimbabue, uma mulher fotografa e filma pessoas falecidas, enquanto estão sendo preparadas pelas funerárias para fazerem as entregas dos defuntos às famílias. Recentemente uma revista de curiosidades (A Espia), divulgou duas coleções consideradas excêntricas: na primeira, um adolescente de Kuala Lumpur, na Malásia, juntou, com mais dois colegas de escola, trinta mil pulgas.

Em paralelo, um sexagenário, em Birmingham no Reino Unido, bateu o recorde, pelo menos até agora. Ele possui, a maior coleção de mosquitos. Cinquenta mil. A coisa tomou proporções tão imensas que chamou a atenção de todo o planeta. Uma empresa japonesa sediada em Fukuoka, está vestindo a camisa do cidadão e comprando a loucura do velhote, qual seja, a de patrocinar uma turnê com os anofelinos e culicíneos, devido a sua importância médica por todas as principais capitais daquele país, aí incluindo Inglaterra, Escócia, Irlanda do Norte e País de Gales.

Assim, aqui e ali, na fila da padaria, no supermercado, no açougue, na farmácia, ou num barzinho de esquina, entre uma cerveja e outra, o papo entre esses amantes de miçangas e miudezas invariavelmente é sempre igual:
— E quanto a você? O que coleciona?
— Carros antigos.
— Tem preferência por marcas?
— Todas. Não importa o ano, ou a cor. E o meu prezado a que atividade de recreio exatamente se dedica?
— Somos colecionadores.
— Somos?!

— Perfeitamente. Eu e meu “Eu” interior.
Risos:
— OK. E o que você e o seu “eu” interior colecionam!?
— As dores do mundo. Entendeu? Somos colecionadores dessas mazelas que deixam vestígios eternos nos interstícios das recordações!
— O senhor ou os senhores, poderiam me dar alguns exemplos práticos dessas recordações?
— Infelizmente, não. Alguém poderia ouvir a nossa conversa e, num futuro próximo, roubar as nossas particularidades. Melhor encerrarmos a conversa por aqui.
— Aqui tem meu cartão. Se mudarem de ideia...
— Desculpe. Não colecionamos cartões.

Título e Texto: Carina Bratt, de Santos, São Paulo. 30-4-2023 

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Um comentário:

  1. Eu hoje não coleciono nada, nem saudades ou mazelas da vida. ainda guardo uma de selos e de moedas que não valem nada, detesto fotos antigas, tive uma coleção de 500 carros match box, infelizmente um parente infeliz a vendeu para comprar drogas. Por isso e outras acontecimentos tornei-me HEDONISTA. Meu cartão é apenas continuar fazendo o que gosto. Apesar de ainda vivo eu o considero morto pelo sofrer de meus pais.
    Perdoar é divino e eu não sou DEUS.

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