sexta-feira, 28 de abril de 2023

Foco no fosso] Bola com os leões

Haroldo Barboza  

No final do século XX, escolinhas de futebol pulverizaram pelo Brasil inteiro. Atletas aposentados (sem alto patrimônio) que não se tornaram dirigentes, técnicos ou jornalistas esportivos, tiveram de ser patrocinados por vorazes empresários para montarem suas estruturas. A alta demanda de jovens sonhadores abriu espaço até para Professores de Educação Física com um mínimo de raciocínio para incutir conceitos básicos nos aprendizes.  

Atualmente, para simplificar, podemos dividir o mercado em duas categorias: 

Categoria 1 - grupo de escolinhas sociais, localizadas em áreas urbanas mais “seguras”, com facilidade de transporte e perto de condomínios e escolas fundamentais. Tendo um campinho com grama sintética, um bebedouro, dois chuveiros e uma maleta de primeiros socorros, com sorte consegue congregar 200 jovens divididos em 8 turmas ao longo da semana. Estes jovens são educados por pais zelosos e usam o esporte como lazer para descarregar energia física e ansiedades antes das provas nas escolas que os preparam para a vida profissional onde um diploma ainda possui peso.

São orientados a praticar o jogo de forma respeitosa, obedecendo ao árbitro de qualquer jogo e até aplaudindo o adversário vencedor. Segundo breves estatísticas, no máximo 0,5% demonstram habilidade com a bola a ponto de ser candidato a “mercadoria” de exportação para Europa.  

A cada boa jogada de um filhote, muitos beijinhos e fotos dos pais que os seguem nestes momentos de descontração. 

Categoria 2 - centros de triagem chancelados por grandes clubes nacionais, com vários campos espalhados nas beiradas de comunidades carentes. Um núcleo mais espaçoso (5 ou 6 campinhos consecutivos), consegue agregar 2 000 ou 3 000 jovens desnutridos, sem possibilidade de um estudo fundamental/universitário num futuro breve. Os empresários estão sempre passeando nestas áreas, com seus discursos (para os pais) sobre elevação de patrimônio a cada novo contrato. Algo que no máximo 2% terão chances de disputar com ferrenhos adversários de outras dezenas de comunidades. 

No alambrado em torno do campo, pais desempregados vociferam “orientações” (deturpações) constantes a cada herdeiro (possível tábua de salvação da família carente) em campo, para “complementar” as definições passadas pelo treinador.

Entre dezenas de lembretes, podemos citar:

- Vai Fefeu! Entra firme. Da cintura para baixo, tudo é canela;

- Se a bola passar, arrepia sem dó;

- Dá uma cotovelada no peito que ele não entra mais na área;

- Pisa no pé esquerdo do ponta que ele já está “baleado”;

- Funga no cangote dele que ele geme (esta é a mais branda de todas). 

Com esta responsabilidade jogada sobre seus ombros, cada atleta (que sonha com o sanduiche e o guaraná oferecido pelo patrono após o treino) disputa cada jogo/treino como se fosse gladiador (em luta com leões) nas arenas romanas do século zero.

Título e Texto: Haroldo Barboza, abril 2023 

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