sexta-feira, 21 de abril de 2023

A esquerda queria o 8 de janeiro para instaurar uma ditadura

A pergunta fundamental do Brasil começa a ser respondida: por que a esquerda ‘permitiu’ o 8 de janeiro, mas morre de medo de investigá-lo

Flavio Morgenstern


Se foi uma “milícia bolsonarista antidemocrática golpista de extrema direita” (como nos acostumamos com adjetivos histéricos, não?) que perpetrou os atos do 8 de janeiro, por que é que a própria direita está desesperada para investigar o caso? E por que a esquerda prefere esquecê-lo, se, supostamente, poderia provar aos sete mares que seus adversários são perigosíssimos “fascistas” que precisam ser presos e apagados da vida pública — e talvez não só dela?

Podemos farejar a resposta lembrando que a esquerda, desde pelo menos 2020, usa a invasão do Capitólio americano como modelo para sua política repressiva. E que a narrativa de enfrentar “golpistas” lhe rendeu enorme aumento de poder.

O próprio presidente americano Joe Biden não cansa de repetir que o 6 de janeiro de 2020 americano, marcado pela invasão do Capitólio, é “a maior ameaça à democracia desde a Guerra Civil”.

O jornalista Glenn Greenwald, hoje residente no Rio de Janeiro, com nítida preferência pela esquerda (seu marido, David Miranda, era deputado pelo Psol), perguntou em uma thread no Twitter: “Pior do que o 11 de setembro? Ou Pearl Harbor?”

Na continuação da thread, Greenwald parece indicar a resposta perfeita à pergunta que incomoda o Brasil: por que a esquerda permitiu o 8 de janeiro de 2023 (a versão brasileira do 6 de janeiro de 2020)? E por que agora teme investigá-lo?

Glenn Greenwald citou ações do governo americano completamente ditatoriais, feitas em resposta a atentados: “E o desmantelamento das liberdades civis em nome da Guerra Fria e da Guerra ao Terror? Ou o programa de vigilância em massa implementado secretamente e ilegalmente pela NSA [Agência de Segurança Nacional americana] visando cidadãos americanos?”

Greenwald refere-se, entre outras coisas, ao programa de “monitoramento” (eufemismo para espionagem) que o governo americano promoveu vasculhando a privacidade de cidadãos americanos a partir do atentado de 11 de setembro de 2001. O programa foi implantado principalmente a partir do Patriot Act de George W. Bush, supostamente em resposta ao 11 de setembro e aos atentados envolvendo anthrax.

Patriot Act tinha como principal objetivo aumentar desproporcionalmente os mecanismos de espionagem americana sem inspeção, podendo grampear telefones, inclusive internacionalmente, facilitar a troca de informações de inteligência entre agências e expandir atividades que a administração possa chamar de “terroristas”. Estas medidas foram chamadas de “política fascista” pelo filósofo conservador Olavo de Carvalho. O aparato de espionagem foi ainda aprofundado nos anos Obama, criticado por Trump, e voltou 20 vezes pior com Biden, sempre clamando contra os “antidemocráticos” do 6 de janeiro.

Não por acaso, exatamente essas mesmas medidas, entendidas pela esquerda e direita como ditatoriais, vêm sendo tomadas no Brasil desde que se aprendeu a repetir sobre fake news como o maior problema do mundo (conceito inexistente antes de ser inventado pela revista Atlantic em dezembro de 2016), a falar em “milícias bolsonaristas”, em “hordas digitais”, em “gabinete do ódio” e “discurso de ódio”. Milhões de extremistas só são combatidos com medidas extremíssimas.

Algo que era impensável na época da ditadura militar (o Leitmotiv da esquerda) hoje é tratado com extrema naturalidade pela mídia: quebras de sigilo, buscas e apreensões e diversos mecanismos para que políticos e burocratas tenham acesso à privacidade completa das pessoas. Inclusive jornalistas.

A mídia, ao invés de prezar pela liberdade das pessoas diante do autoritarismo — ou totalitarismo —, tornou-se comparsa, com o sem-número de “reportagens” baseadas no vazamento de mensagens privadas.

Ditadura em nome da democracia

Basta imaginar se o caso fosse de que Bolsonaro está vasculhando mensagens privadas de jornalistas. Ou de que Trump está usando o FBI para ter informações sobre seus adversários políticos (ironia das ironias, Trump passou sua gestão às turras com o FBI, tendo sido grampeado por eles, para evitar o abuso de poder).

Imagine-se um cenário bizarro em que, digamos, Carla Zambelli ou Daniel Silveira sejam alçados ao STF, e criem um inquérito secreto, no qual acusam, “investigam” (ou seja, quebram sigilos e fazem buscas e apreensões atrás de mensagens privadas), julgam e são as supostas vítimas de… críticas a eles.

Suponha-se que ilações fantasiosas, e mesmo acusações sem fundamentos de deputados conservadores, virem “provas”, e as informações sejam trocadas entre CPI, Ministério Público, inquéritos secretos, TSE, STF, PGR, Coaf etc.

Troquemos a liberdade da privacidade e cogitemos um mundo sem “discurso de ódio”, em que cada vez que alguém diga algo como “Esse Bozo merecia levar um chute nas nozes” em uma mensagem de WhatsApp, isto seja considerado “crime contra a democracia”, “ameaça à integridade física”, “quadrilha extremista que visa abolir o Estado democrático de Direito”.

Em nome da liberdade de imprensa, consideremos que jornalistas que critiquem Bolsonaro, com beneplácito de Silveira e Zambelli no STF, tenham seu sigilo telefônico e telemático quebrados. Ponderemos que, durante as eleições, Zambelli e Silveira sejam alçados ao TSE, e decidam votar por aumentar mais ainda seu próprio poder, e instaurem censura prévia, proibindo a divulgação de documentários da esquerda.

Este cenário seria chamado de “democracia em berço esplêndido”, ou seria tratado como uma tirania terrível e sufocante? Não se pediria até apoio internacional contra a opressão paranoica de Bozo, Zambelli e Silveira?

Bem, basta inverter os nomes e posições políticas, e o cenário não será em praticamente nada diferente do Brasil dos últimos anos.

Imitamos os americanos no Patriot Act de Bush e seu aperfeiçoamento tecnológico após a invasão do Capitólio, macaqueando até o princípio jurídico invocado, lá como cá: o Direito Penal do Inimigo, tese do jurista alemão Günther Jakobs, que nega garantias legais “normais” a inimigos do regime, como terroristas. Basta agora chamar empresários que mandam um emoji no WhatsApp de “golpistas” e voilà! Virou inimigo do regime. Juristas brasileiros preocupam-se com o uso e abuso do Direito Penal do Inimigo para perseguir meros discordantes.

A CPI da Covid, por exemplo, investigava a falta de oxigênio no Amazonas. Pela lei, não poderia investigar nada, além disso. Mesmo assim, senadores como Omar Aziz, Randolfe Rodrigues, Humberto Costa, Rogério Carvalho, Renan Calheiros e Alessandro Vieira fizeram quebras de sigilo em todos os sites da direita da internet, além do assessor Filipe Martins e do antropólogo Flavio Gordon.

A invasão inconstitucional exigiu todas as mensagens privadas em todas as redes sociais, todas as fotos de contatos, todos os e-mails, todos os apps, cópia integral do iCloud (!) com todas as fotos privadas e documentos da vida da pessoa, todas as geolocalizações, histórico de navegadores e de buscas no Google, histórico de saúde e mais.

Em nome da democracia, a votação, ao menos dos jornais, deu-se em menos de 3 minutos, utilizando-se de sentenças com trechos idênticos e (como sói) nenhuma dita fake news. Parlamentares como o deputado Fausto Pinato (PP-SP) e o senador Fabiano Contarato (PT-ES) pediam novas investigações, e inclusão de jornalistas nos inquéritos secretos no STF.

Depois foi a vez do TSE desmonetizar canais (o que não cabe em suas funções constitucionais). Em plenas eleições, aumentou os próprios poderes e admitiu praticar “censura prévia”, mas mesmo assim censurou um documentário que nem estava pronto (“Quem mandou matar Bolsonaro”, da Brasil Paralelo), enquanto um “documentário” afirmando que a facada em Bolsonaro seria “farsa” da esquerda rodava a internet livre, leve e solto.

É a concretização da ditadura suprema: basta chamar seus inimigos de “antidemocráticos” e destruir todo o Estado de Direito. Se a direita tivesse realizado 10% disso, a ONU já teria pedido uma intervenção militar.

Claro que, para a “democracia com mão de ferro” ser aceita, urge dizer que a democracia está em risco. Seja por perfis de zoeira no Twitter, ou por perigosíssimas fake news que são a desculpa perfeita para o Ministério da Verdade (que político não quer poder censurar e chamar críticas de fake news?). E talvez por isso precise de um 6 de janeiro americano, de um 8 de janeiro brasileiro, de um incêndio do Reichstag para chamar de seu.

E aí entendemos a necessidade de fazer com que gente simples — vários deles idosos que morrem de medo de baderna e bandido — sejam tratados como as próprias reencarnações de Adolf Hitler.

É uma hipótese para entender por que aquelas pessoas, esgotadas psicologicamente após meses sob sol e chuva, tenham sido estimuladas a entrar nos prédios da Praça dos Três Poderes pelos próprios esquerdistas que tanto se diziam “ameaçados”, e sempre pedem leis de controle de armas, de conversas privadas, de regulação da internet e de aumento do seu próprio poder para “defender a democracia”. Talvez por isso tenham oferecido água, indicado os caminhos para o 8 de janeiro ocorrer.

E a mídia estará o tempo todo repetindo sobre a necessidade de punir golpistas, prender extremistas, justificando inquéritos contra as “milícias digitais” e outros nomes exagerados para caminhoneiros e cozinheiras. Todo poder absoluto surge quando se enfrenta uma ameaça absoluta. O melhor de tudo é quando essa ameaça é, afinal, apenas uma narrativa para viver em constante estado de exceção — e podendo punir seus adversários políticos como se fossem nazistas. 

Título e Texto: Flavio Morgenstern, Revista Oeste, 20-4-2023, 11h 

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