terça-feira, 25 de abril de 2023

Calando o povo

Alexandre Garcia

Um juiz do Supremo, o ministro Gilmar Mendes [foto], aderiu ontem, aqui em Portugal, à campanha contra a liberdade de opinião nas redes sociais. Num painel chamado de “Futuro da democracia na era digital”, do Fórum Internacional Brasil-Europa (Fibe), ele chegou a afirmar que “se há uma mãe de todas as reformas, eu diria que é a da responsabilidade das plataformas digitais”.

Foto: Carlos Moura/STF

Assim como esse ministro do Supremo, muita gente está atordoada pelo megafone oferecido para cada cidadão expressar sua opinião. Quando mal começavam a ecoar os decibéis digitais emitidos pelo povo até então sem voz, Umberto Eco (o autor de O Nome da Rosa) escandalizou-se com a novidade e ironizou que ela dá voz “a uma legião de imbecis”, dizendo que agora pode percorrer o mundo uma besteira que antes ficaria restrita à mesa de um bar. “Normalmente, eram imediatamente calados, mas agora têm o mesmo direito à palavra que um prêmio Nobel”, disse Eco em 2015.

Quem tem ouvidos feridos pela voz do povo e quer que bocas calem? Vamos fazer leis para que digam apenas o que admitimos que vibre em nossos sensíveis e preconceituosos ouvidos?

A manifestação de um grande escritor e de um juiz supremo seria uma reação à tecnologia que deu voz ao povo anônimo? Ampliar a voz de cada um não seria a ampliação do poder do povo, vale dizer, um reforço para a democracia? Não poderíamos pensar que os poderosos, que dominam o povo, temem perder o poder para os que ganharam a voz digital e universal? Umberto ecoa o desejo dos que querem calar a voz do povo, no raciocínio elitista de que os senhores da palavra são gente da estirpe de um ganhador do Nobel? Quem tem ouvidos feridos pela voz do povo e quer que bocas calem? Vamos fazer leis para que digam apenas o que admitimos que vibre em nossos sensíveis e preconceituosos ouvidos? A quem vamos dar o direito de falar no mundo digital e a quem vamos restringir esse direito? Saudamos tanto a diversidade, mas, pelo jeito, não suportamos a diversidade de ideias. Porque, no fundo, é uma questão de ideologia: só queremos liberdade de opinião para os que concordam conosco.

Para punir a calúnia, a injúria e a difamação, já existe o Código Penal. Notícia falsa sempre existiu, séculos antes de aparecerem as redes sociais. Além disso, a vida mostra que mentira repetida vira verdade e que o que era enterrado como falso depois ressuscita como verdade – basta comparar as “verdades” da pandemia com os fatos que hoje testemunhamos. Aliás, fomos muito censurados nas redes sociais naquela época de inquisição contemporânea… Agora, o projeto quer que as plataformas nos policiem e ainda existe uma “entidade de supervisão”, que parece o Ministério da Verdade, do profético 1984, de Orwell. A mídia, que já sofre com a concorrência, apoia a inquisição.

Nesta semana, pode ser votada no plenário da Câmara urgência para um projeto que restringe a liberdade nas redes sociais e nelas interfere até financeiramente. O relator é um deputado do Partido Comunista do Brasil. Ora, todo mundo sabe que é da natureza dos partidos comunistas a censura e o totalitarismo. Isso já contamina o projeto. E agride a Constituição, que nos artigos 5º e 220 garante a liberdade de opinião e de expressão em qualquer plataforma, e veda a censura de qualquer natureza.

Título e Texto: Alexandre Garcia, Gazeta do Povo, 25-4-2023, 11h

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