quinta-feira, 20 de abril de 2023

[Daqui e Dali] Quando havia donas de casa a tempo inteiro

Humberto Pinho da Silva

No meu tempo de infância ainda havia donas de casa a tempo inteiro. Eram senhoras, em regra da classe média ou média alta, que cuidavam do maneio do lar. Realizavam toda a lida: cozinhavam, passajavam a roupa branca, passavam a ferro, varriam e educavam os filhos acompanhando-os nos estudos.

Em regra, sobejavam-lhes tempo para visitar amigas e familiares. Muitas tinham dia certo para receberem, oferecendo o tradicional chá, acompanhado de saboroso bolo caseiro, que orgulhosamente confecionavam.

As mais abastadas tinham empregada para executarem tarefas domésticas, às quais chamavam criadas. Rapariguinhas analfabetas ou quase, recrutadas na província.

Nas horas de lazer, as senhoras, bordavam ou tricotavam.

Prendas de mãos, que aprenderam com as mães, que as educavam para futuras esposas e rainhas do lar.

Nessa recuada época, o marido da classe média envergonhava-se quando a esposa trabalhava fora. Era ponto de honra, só por necessidade admitia que contribuísse para o orçamento familiar.

Respeitava-se religiosamente o velho anexim: "O homem abarca, a mulher arca."

Nesse tempo, quem governava o país era Salazar – homem que nascera no século XIX – e tudo fazia para manter a mulher no lar, como dona de casa.

Em conversa com a jornalista francesa Christine Garnier, disse: "A ausência da mulher desequilibra a economia doméstica, e a perda de dinheiro que daí resulta raramente é compensador pelos ganhos exteriores." "Férias Com Salazar", Edição Parceria António Maria.

O estadista receava que a mão de obra feminina, no trabalho, provocasse descida na remuneração e desemprego. Nesse remoto tempo muitas famílias podiam viver com um só salário, agora nem dois chega para as despesas quotidianas. Se quisessem recompensar essas antigas donas de casa, que dedicaram a vida à família, e agora, na velhice, se encontram dependentes, sem qualquer rendimento, bastava alargarem o desconto no I.R.S. para o cônjuge dependente. Já não digo reformá-las com o salário mínimo, como pensou o Dr. Mário Soares.

Se outrora os jovens buscavam noiva de bom dote, hoje, sabedores que um só salário não chega para sustentar família, procuram moça que tenha emprego bem remunerado... e o mesmo fazem as futuras noivas.

São tempos prosaicos, não românticos, onde o amor se vai tornando num negócio... por vezes bem asqueroso.

Título e Texto: Humberto Pinho da Silva, abril de 2023

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