Humberto Pinho da Silva
Nas férias grandes, abalava no ronceiro comboio do Douro, para Trás-os-Montes, na companhia de meus pais. Aí, ouvia com espanto, expressões e linguarejar desconhecido e estranho, que jamais escutara na escola.
Meu pai achava graça a certos termos e
apontava-os, religiosamente, num bloquinho verde, para não os esquecer. A gente
da aldeia, agastada, ficava acobardada, e tentava exprimir-se à moda da cidade.
Mais tarde, já homem feito, ao ler os clássicos,
topei as mesmíssimas palavras, em Frei Luís de Sousa e Francisco Rodrigues
Lobo.
Camilo – Mestre dos Mestres – enxameou os
magníficos romances com termos usados pelo povo simples e analfabeto.
Colhia-os, escutando o prosear de lavradores ou em seroadas à lareira,
enriquecendo assim seus escritos.
Ouvi, com mágoa, no Brasil, semicultos, que se
gabavam de respeitados letrados, rirem-se de nordestinos que desceram à
Pauliceia, por empregarem vocábulos a que chamavam, depreciativamente, de
caipiradas. Rapidamente constatei, que se entroncavam em boa cepa da língua –
Camões e Bernardim.
Em "Enfermaria do Idioma", João
de Araújo Correia, aborda o tema, recordando que o letrado reconhece no
analfabeto: "Preciosa mina de ensinamentos. Índole da língua, frases
expressivas, imagens claras."
E Castilho assevera também em "O Presbitério da Montanha": "Troca-se mais português de lei, mais riqueza de vocabulário, fraseado e construção, numa seroada de inverno ou num palrar de sesta de segadores entre carvalheiras rústicas, ao estridor das cigarras amadas de Anacreonte, do que entre o ranger dos prelos e o resfolegar das balas, num ano inteiro da melhor tipografia de Lisboa."
E confirma Aquilino em "Arcas Encouradas":
"Fala-se ainda na Beira uma língua viva, buliçosa e branca como água
que sai da rocha, que deve entroncar em Fernão Lopes, passando por cima de
renascentistas, trabalhadores ao torno, e de toda a casta de literatos que se
venderam à francesia. É cheia de expressões breves e diretas, admiráveis quanto
a traduzir cor, estado de alma."
Não admira, portanto, que Antero de Figueiredo,
escreva em "Jornadas em Portugal": "Com que gosto vou
partir para aprender, ouvindo-a (a língua portuguesa,) arejada e leal,
da boca livre do povo, onde espontaneamente, acodem termos incisivos e esbeltos
modos de dizer."
Infelizmente, com a difusão da mass-media,
os "doutores“ da província começaram a falar chique, à moda de Lisboa.
Agora, catedraticamente marchetam o palrar com vocábulos anglo-saxónicos, para
passarem por eruditos e ilustres intelectuais; desprezando belas e castiças
expressões, bebidas na infância, de mães e avós analfabetas, mas sábias.
Hoje, tudo e todos se igualam, infortunadamente,
pela ralé: na forma como se exprimem, na educação, e conduta de vida.
Assim se perdem os bons costumes e a boa
linguagem, assim como os valores que sempre enobreceram os nossos avós, e
orgulhosamente nos diferenciavam dos demais povos.
Título e Texto: Humberto Pinho da Silva, abril
de 2023
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