quinta-feira, 30 de março de 2023

[Daqui e Dali] Deixem os jovens escolherem a profissão

Humberto Pinho da Silva

Estava mergulhado em fofa poltrona cor de palha, assistindo a movimentada novela, daquelas que são produzidas para inculcarem nefastas ideologias e fomentar a malfadada Nova Moral, quando assaltou-me um sono imperioso.

Enfastiado, peguei na "Vida de Frei Bartolomeu dos Mártires", de Frei Luís de Sousa, livro que repousava esquecido sobre o regaço, para possível releitura.

Abri-o ao acaso, folheei-o, e deparo com a seguinte texto, que despertou a indolência preguiceira:

"Dura jurisdição, por não dizer tirania, exercita hoje muitos pais, sobre as condições e natureza dos filhos. Em nascendo, já fazem a um clérigo, a outro frade, a outro soldado; de espreitar a inclinação e jeito que cada um tem para as cousas, não há tratar. Assim fica mal letrado o que fora bom sapateiro, e não é bom soldado o que fora um religioso”,  Livro 1, Cap. II.

Esse parecer fez-me recordar senhora, com dois filhos, que visitava a casa de meu pai, logo lhes talhou o destino: um seria doutor, outro, padre.

Se o médico foi excelente clínico, o padre, não digo que fosse mau sacerdote, mas ordenou-se sem vocação. Duvido que fosse feliz.

Ouço, por vezes, mães asseverarem rijamente: "Quero que meu filho seja o que eu nunca fui!", como se o filho não tenha o direito incontestável de escolher livremente a vocação e o destino.

Conheci, também, no Porto, costureirinha que casou com pequeno industrial. Eram pais de garotinha esperta e inteligente. Certo dia alguém lhe recomendou que durante as férias escolares colocasse a menina a trabalhar na empresa, para melhor conhecer a fábrica, que um dia seria sua.

Abespinhou-se indignada, declarando quase irada: "Minha filha não tem necessidade de trabalhar. Será doutora!"

Cai bem aqui, igualmente, o que escutei quando era rapazote, a senhora de fartos bens: que a filha havia de casar com um médico, porque dinheiro já o tinha, faltava-lhe ter médico na família!...

No tempo que corre, frequentam a Universidade muitos jovens, porque seus pais exercem a tirania (para usar o termo de Frei Luís de Sousa,) para saciarem o prazer de terem filho doutor.

Aconselhem a criança, mostrem-lhe a vantagem de prosseguirem nos estudos, mas deixem-na escolher livremente a profissão. Caso contrário, teremos médicos que seriam excelentes advogados e professores que seriam ótimos agrónomos.

Título e Texto: Humberto Pinho da Silva, março de 2023

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