Henrique Pereira dos Santos
Já contei esta história que
não posso confirmar, mas de que gosto imenso mesmo que seja falsa (e, como diz
Amparo em tudo sobre mi madre "porque una es más auténtica cuanto más
se parece a lo que ha soñado de sí misma").
Em pleno PREC, quando toda a
gente era revolucionária e anticapitalista, Ângelo Correia discursava num
comício do PPD, em Aveiro, malhando forte e feio nos intermediários por causa
do aumento do custo de vida. Porque os intermediários assim, porque os
intermediários assado, ia ele discursando até que alguém do partido local lhe
põe um papel à frente "a sala está cheia de comerciantes". Ângelo
Correia não para nem dois segundos e continua o discurso: "isto é o que
dizem os comunistas dos comerciantes, nós não, nós isto e aquilo, etc."
Serve-me esta história para
ilustrar como o ódio popular ao intermediário, a crença generalizada de que o
comerciante engana os seus clientes (e raramente há um Arquimedes à mão para
encontrar a melhor maneira de verificar se a coroa é mesmo de ouro ou não), é
antiga e generalizada.
Mas o ódio de estimação que
grande parte da esquerda portuguesa dedica ao Pingo Doce é uma coisa um bocado
diferente, está um nível acima desta ideia de que os comerciantes são todos
ladrões.
Com Pedro Soares dos Santos a
chamar mentiroso ao ministro da economia e a ter
a mesma opinião que eu sobre o indecoroso uso da ASAE para obter
ganhos políticos imediatos, claro que voltou o tiro ao Pingo Doce.
Uma das minhas irmãs pergunta-se de onde virá este ódio, uma das minhas amigas repete, pela enésima vez, a mentira de que o Pingo Doce foge aos impostos e tem a sede num paraíso fiscal e um senhor que sabe muito sugere que se compare a Novadelta, de Rui Nabeiro, aos chupistas da Jerónimo Martins.
Perguntado sobre qual dos
grupos cria e distribui mais riqueza sabendo que um tem cerca de 4 mil
trabalhadores e outro tem à volta de 120 mil, responde cabalisticamente:
"A pobreza é criada, não um ato de deus. ou seja, são produzidos
intencionalmente. Uma pessoa pobre não se sindicaliza, não luta pelos seus
direitos, luta por comer, por sobreviver. Um dos nossos fenómenos são os pobres
que tem emprego, que trabalham e, no entanto, são pobres. Viver do salário-mínimo,
regra geral é isso. As maiores empresas e os bancos criam dinheiro que é
diferente de riqueza e criam pobres. Nesta ótica, Soares dos Santos não criou
empregos, criou empregados pobres, que têm dificuldade em subsistir".
Nem vale a pena responder que
não há salários-mínimos na Jerónimo Martins há muitos anos, porque a questão
não é de falta de informação, é mesmo de fé.
A demonstração disso é muito
fácil.
Nestas conversas aparece
rapidamente alguém que vai repescar uma história de 2019, a de uma trabalhadora
que, depois de insistentemente pedir para ir à casa de banho, acaba fazendo o
que tinha a fazer na caixa, sofrendo uma enorme humilhação frente a colegas e
clientes.
A história aparece em todos os
jornais da época, o Grupo Parlamentar do Partido Socialista pediu explicações,
enfim, um grande sururu.
A denúncia vinha de um
sindicato, não tinha o nome da trabalhadora (naturalmente), mas identificava o
supermercado onde teria acontecido esta situação.
O Pingo Doce mandou ver o que
se passava e não houve um trabalhador, uma chefia e, acrescento eu, um cliente,
que dissesse que tinha assistido à situação, desconhecendo por completo que tal
tenha acontecido.
O dito sindicato, perante esta
forte suspeita de que era tudo treta, confirmou a história, dizendo que não
identificava a trabalhadora em causa para salvaguardar a sua dignidade (a tal
que tinha sido enxovalhada em frente a colegas e clientes que não existem).
O que seria normal acontecer?
O sindicato perder toda a credibilidade
e cada uma das pessoas que tinham feito a acusação difamatória, mesmo que
apenas dando como adquirida uma acusação cujos factos não confirmaram antes, de
jornalistas a políticos, incluindo o grupo parlamentar do Partido Socialista,
fazer um pedido de desculpa que se tentaria que fosse tão audível como a
acusação.
Aparentemente não somos uma
sociedade normal, o que aconteceu de facto é que ninguém fez isso e hoje, mais
de três anos passados, a história e as notícias da denúncia caluniosa do sindicato,
continuam a ser usadas como penhor de como a Jerónimo Martins tem práticas
selvagens de abuso dos trabalhadores e exploração dos clientes.
O problema não está em haver
muita gente que não gosta de empresas que criam riqueza (estranhamente, nesta
conversa, alguém se escandalizava com o facto da Jerónimo Martins ter lucros
sólidos, como se houvesse alguma vantagem em que as empresas tivessem
prejuízo), o problema está no populismo dos políticos que cavalgam este
sentimento de rancor contra quem cria riqueza e a distribui (sim, distribui, a
forma mais eficiente de distribuir riqueza é garantir salários justos aos
trabalhadores, e o facto é que como encontro sempre as mesmas pessoas a
trabalhar no supermercado é, com certeza, porque podem até não gostar das suas
condições e remuneração do seu trabalho, mas não encontram melhor no mercado).
Isto não é um problema da
Jerónimo Martins (que até tem 80% da sua faturação fora de Portugal), o
problema é mesmo nosso, do país.
Título e Texto: Henrique Pereira dos Santos, Corta-fitas, 26-3-2023
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