Tiago Franco
Ouvi, descansada e
tranquilamente, a notícia de que Vladimir Putin tinha ordenado o transporte de
umas quantas bombas nucleares e dez aviões para o território da Bielorrússia.
Até despejei mais um bocado do
Periquita Reserva que tinha ali ao lado, só para ver se não perdia o momento de
descontração.
Isidro Morais Pereira foi o
primeiro a deixar-me descansado porque, segundo ele, não havia aqui nada de
novo. Desde logo, porque há muito que os russos têm ogivas nucleares em
Kaliningrado, ali mesmo nas barbas da NATO e, nem por isso, o mundo parou.
Muito bem.
Juntamente com o seu companheiro de painel, Armando Marques Guedes, garantiu-me, novamente, que a Rússia estava cada vez mais isolada, que tinha cada vez mais mortos e menos material de combate.
Todo este discurso de Putin é
apenas uma gigantesca manobra de propaganda com o bom do Armando, um divertido
especialista em relações internacionais, a garantir que Xi Jinping já tinha
dito ao Vladimir que bombas atómicas, nem pensar.
Depois de Nuno Rogeiro, que
falava com Zelensky por interposta pessoa, temos agora o Armando, que comunica
com o Xi por pombo-correio.
O momento alto da noite ficou
guardado para a citação de Biden que, nas palavras do Armando disse: “if
you’re thinking about using nuclear weapons… DON’T“. (Se está a
pensar em usar armas nucleares… Não o faça.)
Parou para respirar e
acrescentou: “e, depois, o Biden reforçou… DON’T… e voltou a dizer,
pela terceira vez… DON’T!! Ora… isto é que é uma ameaça a sério!”
De modo que enchi mais um bocadinho o copo e fiquei a pensar. Mexer bombas e aviões de um lado para o outro, enfim, é propaganda. Já dizer três vezes “don’t” é que é para um gajo se encolher todo.
O meu problema com estes
filósofos, é que há um ano que me andam a vender que os russos andam descalços
e isolados e, quando damos por ela, por lá continuam a morrer e a matar, com os
chineses pelo braço e nós, na nossa retórica idiota, a pagar tudo com dinheiro
que não temos e a comprar combustível indiano feito com petróleo russo.
A quantidade de países que se
une ao eixo China-Rússia é bem maior do que o “mundo ocidental”. Até os
sauditas começam a mudar de lado, mas nós, de Madrid a Varsóvia, continuamos a
vender a fábula da Rússia isolada. Faz-me lembrar a história de um amigo que
não gostava da cidade do Porto, mas nunca tinha saído de Lisboa.
Como a alucinação ainda não tinha atingido o clímax, eis que aparece Helena Ferro Gouveia dizendo que, para já, não havia sinais visíveis de qualquer movimentação de bombas portanto, estaríamos no reino da bazófia de Putin.
Longe de mim duvidar da
Helena, mas talvez o prazo dado (até julho) seja uma das razões para não verem,
nos satélites, bombas a mexer três dias depois do anúncio. Mas é só uma ideia.
Entra a discussão sobre o tipo
de armas nucleares, e aqui é que fico mesmo anestesiado. São táticas, segundo a
Helena, não têm grande perigo de radioatividade. Tenho a sensação de a ter
ouvido falar em exames de raio-x como termo de comparação, mas posso estar
enganado.
Nesta altura, só queria
encontrar a garrafa o mais depressa possível e, admito, desviei um pouco a
minha atenção. Pelo que percebi, uma arma nuclear tática pode ter entre 1 a 100
quilotons, sendo que cada quiloton corresponde a 1000 toneladas de dinamite.
A bomba de Hiroshima, por
exemplo, tinha 15 quilotons. Portanto, estas armas nucleares tácticas que os
russos ameaçam entregar à Bielorrússia têm capacidade para matar muita gente na
explosão, mas poucos de cancro.
Era essa a mensagem da Helena.
Sim, de facto podem morrer mais umas pazadas de ucranianos num espaço de minutos,
mas, atenção ao lado positivo, poucos vão ao pé coxinho para o instituto de
oncologia de Kiev.
Ainda ouvi alguém explicar –
já não me lembro quem porque por essa altura nem a garrafa via – que o que os
russos fazem agora é algo que os americanos já fizeram há muito, quando
distribuíram 150 ogivas por seis países europeus: Bélgica, Holanda, Itália,
Turquia e outros dois que não me lembro.
E, sendo assim, tudo bem.
De bluff em bluff, as ogivas vão passeando e
arejando as ideias.
Durante as últimas duas décadas, os americanos controlaram o mundo a seu belo prazer e agora, russos e chineses também querem uma fatia do bolo. Se pensarmos na história recente, do Afeganistão à Síria, do Iraque à Líbia, não há uma grande vantagem em ter uma única superpotência a decidir o destino da humanidade.
Não sendo possível o ideal –
ou seja, povos que se preocupam com o seu quintal sem quererem dominar os
vizinhos –, é pelo menos preferível ter poder e contrapoder de forma a que a
balança se vá ajustando.
É pena que este novo
estabelecimento das superpotências seja feito à custa do sangue dos mais
pobres. Sejam eles ucranianos ou russos. Não passam de peões num jogo muito
maior onde, até ver, apenas americanos e chineses poderão sair a ganhar.
Por mais que nos tentem
vender, há um ano, que um dos lados está de joelhos, a realidade diz-nos que
não é assim. Chegámos a um beco sem saída, nem Putin nem Zelensky têm condições
para sair desta situação com uma vitória clara nas mãos (sem que a NATO ponha
as botas no terreno) e o sacrifício dos anónimos segue a um ritmo diário.
Agora, dizem-nos que esta
escalada, óbvia, no conflito, não é um risco, mas sim propaganda.
Propaganda? Acreditemos, pois.
Título e Texto: Tiago Franco, Página Um, 27-3-2023
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