terça-feira, 28 de março de 2023

Um russo e um chinês entram num bar onde já estava um americano

Tiago Franco

Ouvi, descansada e tranquilamente, a notícia de que Vladimir Putin tinha ordenado o transporte de umas quantas bombas nucleares e dez aviões para o território da Bielorrússia.

Até despejei mais um bocado do Periquita Reserva que tinha ali ao lado, só para ver se não perdia o momento de descontração.

Isidro Morais Pereira foi o primeiro a deixar-me descansado porque, segundo ele, não havia aqui nada de novo. Desde logo, porque há muito que os russos têm ogivas nucleares em Kaliningrado, ali mesmo nas barbas da NATO e, nem por isso, o mundo parou. Muito bem.

Juntamente com o seu companheiro de painel, Armando Marques Guedes, garantiu-me, novamente, que a Rússia estava cada vez mais isolada, que tinha cada vez mais mortos e menos material de combate.

Todo este discurso de Putin é apenas uma gigantesca manobra de propaganda com o bom do Armando, um divertido especialista em relações internacionais, a garantir que Xi Jinping já tinha dito ao Vladimir que bombas atómicas, nem pensar.

Depois de Nuno Rogeiro, que falava com Zelensky por interposta pessoa, temos agora o Armando, que comunica com o Xi por pombo-correio.

O momento alto da noite ficou guardado para a citação de Biden que, nas palavras do Armando disse: “if you’re thinking about using nuclear weapons… DON’T“. (Se está a pensar em usar armas nucleares… Não o faça.)

Parou para respirar e acrescentou: “e, depois, o Biden reforçou… DON’T… e voltou a dizer, pela terceira vez… DON’T!! Ora… isto é que é uma ameaça a sério!”

De modo que enchi mais um bocadinho o copo e fiquei a pensar. Mexer bombas e aviões de um lado para o outro, enfim, é propaganda. Já dizer três vezes “don’t” é que é para um gajo se encolher todo.

O meu problema com estes filósofos, é que há um ano que me andam a vender que os russos andam descalços e isolados e, quando damos por ela, por lá continuam a morrer e a matar, com os chineses pelo braço e nós, na nossa retórica idiota, a pagar tudo com dinheiro que não temos e a comprar combustível indiano feito com petróleo russo.

A quantidade de países que se une ao eixo China-Rússia é bem maior do que o “mundo ocidental”. Até os sauditas começam a mudar de lado, mas nós, de Madrid a Varsóvia, continuamos a vender a fábula da Rússia isolada. Faz-me lembrar a história de um amigo que não gostava da cidade do Porto, mas nunca tinha saído de Lisboa.

Como a alucinação ainda não tinha atingido o clímax, eis que aparece Helena Ferro Gouveia dizendo que, para já, não havia sinais visíveis de qualquer movimentação de bombas portanto, estaríamos no reino da bazófia de Putin.

Longe de mim duvidar da Helena, mas talvez o prazo dado (até julho) seja uma das razões para não verem, nos satélites, bombas a mexer três dias depois do anúncio. Mas é só uma ideia.

Entra a discussão sobre o tipo de armas nucleares, e aqui é que fico mesmo anestesiado. São táticas, segundo a Helena, não têm grande perigo de radioatividade. Tenho a sensação de a ter ouvido falar em exames de raio-x como termo de comparação, mas posso estar enganado.

Nesta altura, só queria encontrar a garrafa o mais depressa possível e, admito, desviei um pouco a minha atenção. Pelo que percebi, uma arma nuclear tática pode ter entre 1 a 100 quilotons, sendo que cada quiloton corresponde a 1000 toneladas de dinamite.

A bomba de Hiroshima, por exemplo, tinha 15 quilotons. Portanto, estas armas nucleares tácticas que os russos ameaçam entregar à Bielorrússia têm capacidade para matar muita gente na explosão, mas poucos de cancro.

Era essa a mensagem da Helena. Sim, de facto podem morrer mais umas pazadas de ucranianos num espaço de minutos, mas, atenção ao lado positivo, poucos vão ao pé coxinho para o instituto de oncologia de Kiev.

Ainda ouvi alguém explicar – já não me lembro quem porque por essa altura nem a garrafa via – que o que os russos fazem agora é algo que os americanos já fizeram há muito, quando distribuíram 150 ogivas por seis países europeus: Bélgica, Holanda, Itália, Turquia e outros dois que não me lembro.

E, sendo assim, tudo bem. De bluff em bluff, as ogivas vão passeando e arejando as ideias.

Durante as últimas duas décadas, os americanos controlaram o mundo a seu belo prazer e agora, russos e chineses também querem uma fatia do bolo. Se pensarmos na história recente, do Afeganistão à Síria, do Iraque à Líbia, não há uma grande vantagem em ter uma única superpotência a decidir o destino da humanidade. 

Não sendo possível o ideal – ou seja, povos que se preocupam com o seu quintal sem quererem dominar os vizinhos –, é pelo menos preferível ter poder e contrapoder de forma a que a balança se vá ajustando.

É pena que este novo estabelecimento das superpotências seja feito à custa do sangue dos mais pobres. Sejam eles ucranianos ou russos. Não passam de peões num jogo muito maior onde, até ver, apenas americanos e chineses poderão sair a ganhar.

Por mais que nos tentem vender, há um ano, que um dos lados está de joelhos, a realidade diz-nos que não é assim. Chegámos a um beco sem saída, nem Putin nem Zelensky têm condições para sair desta situação com uma vitória clara nas mãos (sem que a NATO ponha as botas no terreno) e o sacrifício dos anónimos segue a um ritmo diário.

Agora, dizem-nos que esta escalada, óbvia, no conflito, não é um risco, mas sim propaganda.

Propaganda? Acreditemos, pois.  

Título e Texto: Tiago Franco, Página Um, 27-3-2023 

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