O presidente que enxergou uma “armação
do Moro” no plano frustrado pela PF merece virar testemunha
de defesa dos criminosos
Augusto Nunes
À vontade como um Dilma
Rousseff cercada por Erenices e Kátias, o presidente Lula guilhotinava plurais
na entrevista concedida a jornalistas domesticados quando a conversa enveredou
pelos 580 dias na gaiola em Curitiba. Depois de reafirmar que todas as
acusações foram feitas por delatores intimidados por integrantes da Operação
Lava Jato, confessou que a temporada na prisão o transformara num pote até aqui
de mágoa: “De vez em quando, ia um procurador, entrava lá num sábado, dia de
semana, para perguntar se estava tudo bem”, disse Lula. “Entravam três ou
quatro procuradores e perguntavam: ‘Está tudo bem?’. Ele dizia que não: só se
sentiria em paz depois do acerto de contas que ainda não chegou. “Só vai estar
tudo bem quando eu foder esse Moro. E eu estou aqui para me vingar dessa
gente.”
“Quando Lula fala, o mundo se
ilumina”, garantiu em 2004 Marilena Chauí. Fora a curandeira da seita que tem
num gatuno semianalfabeto seu único deus, ninguém jamais viu a voz roufenha
gerando mais energia do que mil Itaipus. Quando o palanque ambulante agarra um
microfone, o que se vê são fenômenos bem diferentes. Plurais saem em desabalada
carreira, a gramática se refugia na Embaixada de Portugal, a regência verbal se
esconde em velhos dicionários, o raciocínio lógico providencia um copo de
estricnina (sem gelo) e os pronomes se preparam para resistir a outra sessão de
tortura.
Neste 21 de março, uma terça-feira, o elogio do rancor reduziria a destroços a “impressionante intuição” celebrada pelo falecido Antonio Cândido. Quando dava aulas na USP, o respeitado intelectual não perdoava o mais inofensivo cacófato. Convertido em militante do PT, pariu a tese segundo a qual, em matéria de política e eleição, Lula não precisou estudar nada porque já nascera sabendo tudo.
A senha para a derrapagem do
trapalhão fantasiado de doutor honoris causa foi uma frase do
dono do site 247 (pode chamar de 171 que ele atende). “A
prisão foi mais que um ataque ao senhor, foi um ataque ao Brasil”, caprichou na
sabujice o entrevistador-chefe. Com a polidez que Lula atirou ao lixo antes
mesmo de aprender a falar, Moro repreendeu a repulsiva cafajestagem, recomendou
mais compostura ao grosseirão juramentado e fez o alerta: o que dissera o
presidente poderia estimular ações violentas contra o ex-juiz e seus parentes.
De novo, o consórcio da
imprensa recorreu a artifícios gráficos e verbos menos chulos para abrandar o
palavrório de bordel. Alguns redatores recorreram a reticências: o presidente
só quis f… o senador paranaense. Em outros, pretendeu apenas “ferrar” o
desafeto. Como o vídeo escapou de truques pudicos, a viagem à beira do
penhasco, contemplada com sorrisos cúmplices pelos parças da imprensa, pode ser
vista em toda a sua abjeta inteireza. Fora um tremendo tiro no pé.
Foi transformado em tiro na
testa já na quarta-feira, 22 de março, quando o país foi apresentado às
assombrosas descobertas pela Operação Sequaz. Embora tivesse sido anunciada
pelo próprio ministro da Justiça, é provável que Flávio Dino tenha esquecido de
comunicar ao presidente a iminente ofensiva contra o Primeiro Comando da
Capital. Mobilizando 120 homens da lei em quatro Estados e no Distrito Federal,
que sobraçavam mandados de busca e apreensão expedidos pela juíza Gabriela
Hardt, a Polícia Federal impôs uma dura derrota ao PCC. Além da prisão de nove
figurões da organização que lidera o ranking sul-americano do
narcotráfico, o Brasil que presta pôde celebrar o confisco de manuscritos,
planilhas e documentos que detalham um plano que escancara a insolência
assassina do PCC. Abortada a poucos dias do início da execução, o plano se
dividia em três etapas. Na primeira, o chefão Marcola seria resgatado do
presídio em Porto Velho. A segunda previa o sequestro e o assassinato do
senador Sergio Moro, do promotor de Justiça Lincoln Gakyia e das famílias
desses dois alvos prioritários. Outras autoridades estavam na mira dos
matadores. A última etapa cobraria da Justiça a imediata concessão de
privilégios que tornariam ainda mais agradável a vida na cadeia de que
desfrutam meliantes de altíssima periculosidade.
Como os chiliques de Dilma, os
surtos de Lula são de difícil tradução. Mas não é complicado identificar os
efeitos colaterais de uma fala que teria o entusiasmado endosso de qualquer
napoleão de hospício
Abalados pela linguagem de
pátio de presídio usada na entrevista ao Brasil 247, grogues com a
descoberta de que por pouco o PCC não materializou o sonho do ex-presidiário de
volta ao poder, Altos Companheiros resolveram escapar da queda golpeando a
verdade. Flávio Dino proclamou-se indignado com “o mau-caratismo de gente que
tenta politizar uma operação séria, tão séria que está aqui preservando e
investigando uma ação contra a vida de um senador da oposição e de outros
agentes públicos”. Gleisi Hoffmann creditou na conta de Lula a ofensiva
policial concebida no governo Bolsonaro. Em seguida, acampada em redes sociais,
a presidente do PT sacou do coldre o trabuco municiado com mentiras de grosso
calibre e mandou chumbo: “Juiz parcial, que não se importou com o ódio
alimentado pela Lava Jato, tem aula de civilidade e democracia do governo
Lula”. Dino e Gleisi imaginavam ter encontrado a saída quando outro falatório
do trapalhão incontrolável devolveu às cordas a turma toda.
Na quinta-feira, 23 de março,
Lula foi interceptado no Rio por jornalistas interessados no que tinha a dizer
sobre as revelações da Polícia Federal. A primeira resposta foi um riso
debochado. A segunda desandou na ironia: “Eu não vou falar, porque eu acho que
foi mais uma armação do Moro”. Pausa. “Mas eu quero ser cauteloso, quero
descobrir o que aconteceu”, recuou alguns centímetros. Então, mandou às favas a
sensatez, os escrúpulos e o juízo, ergueu o tom de voz e emitiu o parecer
amalucado: “É visível que é mais uma armação do Moro”. Engatou uma terceira e
desandou no chilique: “Eu vou pesquisar e vou saber por que da sentença. Até
fiquei sabendo que a juíza não estava nem em atividade quando deu o parecer
para ele, mas isso a gente vai esperar. Eu não vou ficar atacando ninguém sem
ter provas. Eu acho que é mais uma armação e se for mais uma armação ele vai
ficar mais desmascarado ainda, aí eu não sei o que ele vai fazer da vida se ele
continuar mentindo do jeito que está mentindo”. À esquerda do declarante, o
senador Renan Calheiros aprovou o elogio da demência com movimentos verticais
do queixo.
Como os chiliques de Dilma, os
surtos de Lula são de difícil tradução. Mas não é complicado identificar os
efeitos colaterais de uma fala que teria o entusiasmado endosso de qualquer
napoleão de hospício. Em poucas palavras, Lula afirmou, sugeriu ou insinuou que
a Polícia Federal está sob o controle de Sergio Moro, tanto assim que concordou
com uma armação; que, por se tratar de uma operação forjada, nove garotões do
PCC foram injustamente engaiolados; que são falsas as provas coletadas pelos
policiais federais; que Gleisi e Dino elogiaram a operação porque não sabem o
que dizem; que Moro mente mais que ele: que o Brasil é governado por uma cabeça
baldia. Tudo somado, o que esperam os advogados do PCC para incluir o
presidente da República entre as testemunhas de defesa dos nove chefões arbitrariamente
engaiolados pela Polícia Federal.
Para o ressentido incurável, o
PCC não é a maior ameaça à segurança pública nacional. É um partido aliado que
garante a vitória do PT em morros e presídios. E os envolvidos no asqueroso
complô não são matadores patológicos. São gente boa, disposta a tudo para
materializar o maior sonho do presidente que acorda e dorme pensando em
vingar-se de Sergio Moro. O revide dos insultados reduziu o grande intuitivo a
um amador quase octogenário. A juíza Gabriela Hardt quebrou o sigilo do caso e
exibiu um balaio de provas. O senador mostrou que está aprendendo a bater no
fígado: “O senhor não tem decência? O senhor não tem vergonha?”. Moro sabe que
não.
Título e Texto: Augusto
Nunes, Revista
Oeste, nº 157, 24-3-2023
Ministro de Lula constrange apresentadora: ‘Você é jornalista?’
Revista Oeste: Carta ao leitor
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