Aparecido Raimundo de Souza
Após a cagada, seguindo os ensinamentos de vovô, lavo bem lavada e
enxaguo as partes com o chuveirinho de esguicho. O único inconveniente nessa
empreitada é que somente costumo bostear em casa. Em sanitários alheios, nem
pensar... ah, existe um outro detalhe meio que chato. No conforto do lar, para
não deixar rastros, tenho que me livrar do cocô que ficou grudado em ambas às
bandas do vaso. Afora isso, a titica, em contato com o jato muito forte,
espirra para todos os cantos, o que me leva a um duplo trabalho, qual seja, o
de me livrar desse extra, logo em seguida.
Quando bebo refrigerante não uso canudinho, uma vez que não consigo
enfiar a porcaria do tubinho de plástico na boca sem antes ferir os olhos. Só
assisto televisão com o volume baixo. Na hora da novela jogo a minha fala aos
personagens e me irrito quando a minha voz não se enquadra aos atores ou à
cena. Não varro o meu quarto da porta para fora. Adotei a praticidade de
acondicionar o lixo dentro de um saco plástico que escondo no guarda roupas e
depois, pela manhã, dispenso todo o entulho debaixo da cama da empregada. A
Mariazinha está uma onça comigo por causa dessa excentricidade meio que fora de
propósito.
Digitar com alguém no WhatsApp e falar como se ela estivesse ouvindo sem usar o microfone do aparelho. E a pior delas, no meu entender: copiar além dos meus, os vídeos que acho bacana postado por outros do grupo. Essa paranoia realmente, é de deixar qualquer um com os nervos em frangalhos. Geralmente essas cessões obstinativas (1), de ficar por horas grudado na telinha do celular, são as mais extravagantes possíveis. Tenho um amigo, o Magrinho Parrudo.
Assim que Magrinho Parrudo termina uma conversação, costuma cuspir três
vezes para cima. Geralmente nunca acerta ninguém, a não ser ele mesmo. Outro
mais pirado que eu, o Chico Perna de Mosquito, filho da Medéia. Ele mete a
cabeça debaixo da água fria. Dias atrás, em face dessa neurastenia, havia
acabado de almoçar, abriu a torneira e molhou toda a cabeça. Foi parar no
hospital. Graças a Deus, não morreu. Todavia ficou com um lado do rosto
paralisado e a boca totalmente entortada.
Apesar de todas essas demências, não consegui me livrar de uma pecha por
demais estrambótica. Por favor, não riam de mim. É o prazer quase sexual de
peidar em surdina em lugares cheios de pessoas almoçando, ou jantando. Apesar
da galera em derredor não saber quem foi o autor da façanha, no fundo, a gente,
aqui dentro, fica com a consciência pesada. Dá para sentir na pele (pela cara
de poucos amigos dos que nos cercam) que os presentes desconfiam quem foi o
autor da fedentina reinante.
Com todas essas deformidades ridículas considero esses melindres como
tipos cômicos de imbecilidades brandamente inocentes. O que isso quer dizer?
Simples. As patacoadas que apronto, não geram maiores consequências. A
obstinação que de fato me trouxe sérios problemas foi a de gritar, gritar
mesmo, berrar, à plenos pulmões, logo que me acomodava em minha poltrona dentro
dos aviões, indo ou vindo de algum lugar. Por oito vezes, se não me falha a
memória, fui retirado praticamente à força de dentro de algumas dessas
aeronaves de voos domésticos.
A insânia (2) de uivar feito um desesperado sem noção, ou pior, sem
qualquer motivo aparente, me fez parar na policia federal de vários aeroportos
Brasil à fora. Em Brasília me dei mal. Me confundiram com um detento recém
fugido do presídio da Papuda. Em face desses atravancos (3), parei de viajar de
avião. Optei pelos ônibus interestaduais. Cansativas as viagens, diga-se de
passagem. A gente chega morto no local de destino. Porém, uma boa noticia. No
lugar dos esgoelamentos (4) descomunais, decidi criar pânico entre os
passageiros tardão da noite. Foi massa!
Comprei numa dessas lojas que comercializam fogos de artifício, várias
caixas de bombinhas. Passei a acender e atirar para o corredor, à hora em que todos
dormiam tranquilamente. Um dia, numa delas, um sujeito brabo me flagrou. Me
tirou à força e me entregou a um posto policial existente no meio do nada. Fui
preso, ou melhor, detido, tirado de circulação, por incomodação (5) noturna.
Dos “maules”, o melhor. Hoje me encontro (graças a um advogado porreta que
mamãe arranjou) num manicômio judiciário como um verdadeiro maluco varrido.
Varridão, com todas as letras, para ser bem exato.
Objetivando não cair no marasmo (o marasmo é uma doença séria e humanamente
ultrajante), vez em sempre, para não cair no esquecimento, perturbo a galera
dos médicos e funcionários no refeitório à hora em que todos estão descansando.
Deblatero com todas as forças que consigo arrancar da garganta. Não dá outra.
Uma pá de enfermeiros sai em meu encalço em desabalada carreira. Geralmente
pego o caminho de uma espécie de jardim (tipo uma chácara) tomado por árvores,
e, entremeado a elas, me escondo aqui e ali deixando as criaturas emputecidas
da vida.
Só me aquieto, entro em alfa, me flagro sossegado e tranquilo, de bem com
a vida, quando cansado e sem forças, horas depois, quatro desses enfermeiros
conseguem, a poder de muito esforço, me vestirem uma camisa de força. A
vestimenta me quebranta as ideias, me acalma a alma, me desacelera o coração,
me purifica dos dissabores, me faz viajar por lugares distanciados... o colete
me imobiliza de uma agitação tresloucada. Uma sensação de paz entra em mim como
um uma bola chutada por alguém em direção à rede balouçante do gol. Me assemelho
a um Flamenguista gritando, Vasco, Vasco, em pleno Maracanã lotado até a
boca.
1) Obstinativas – Agarrado com firmeza a ideias intransigentes.
2) Insânia – Espécie de furor exasperado.
3) Atravancos – Impedimentos de passagens para algum lugar ou coisa.
4) Esgoelamentos – Rugidos ou gritarias de modo estrondoso.
59 Incomodação – Aperreamento ou enraivecimento.
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Pelo infinito desejo da posse
Uma parte de mim acabou de morrer...
Um pedacinho (de mim) que se desprendeu (de nós)
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