sexta-feira, 17 de março de 2023

[Aparecido rasga o verbo] Agregado

Aparecido Raimundo de Souza 

O PAI GRITOU
pela filha Amanda logo que chegou à porta da cozinha:
— Venha se sentar à mesa e comer com a gente enquanto a sua barriga está gritando de fome...
Em seguida, fez o mesmo chamando pelo Olivar Camundongo, o namorado dela:
— E venha você também seu filho de cruz credo que botou bucho na minha...
Olivar Camundongo olhou para Amanda e perguntou:
— Eu ouvi direito? Seu pai me chamou para almoçar? De que cartola ele tirou essa boa sorte com relação à minha pessoa?

Amanda meio sem graça e sabedora das artimanhas do pai, não demorou em responder:
— Não confie muito em meu velho. Ele deve estar preparando alguma. Fique esperto.
Dito e feito. Assim que a filha e o namorado se acomodaram, o pai não deixou de sair com uma de suas tiradas sem graça:
— Da próxima vez não deixe rastro como mosca pousando numa pedra cheia de açúcar. Fui claro, Azeitona?
— Meu nome é Olivar. Não entendi as suas palavras, meu sogro - ralhou o rapaz sem encarar o futuro avô de seu primeiro rebento:
— Eu disse que minha vida deixou de ser virgem e passou a respirar demônios. E você, como ousa...?

Dona Margarida sentava ao lado de seu esposo justo nessa hora e não deixou por menos. Chamou a atenção do marido impertinente e indiscreto:
— Zíbio Roscoleto vamos ter modos na hora sagrada das refeições? Evitemos chuvas de piadinhas sem graça...
— Se preocupe não, Margarida. Se chover de verdade, eu compro um guarda-chuva novo, desses modelitos que vêm com uma sombrinha na agulha e dezoito espanta porcos no pente.
Dona Margarida só faltou voar no pescoço do infeliz. Gritou:
— Imbecil, faz favor de fechar essa boca escancarada cheia de dentes podres!

— Tá bom, Margarida. Vou ficar quieto, mas aviso: alguém vai encontrar cobras e lagartos debaixo do lençol...
Na manhã seguinte, à hora do dejejum, Zíbio Roscoleto voltou à carga, bailando mais uma das suas gracinhas infames:
— Me sinto como se tivesse dormido com uma múmia egípcia.
Dona Margarida se enfureceu. Deu o troco na bucha, sem pestanejar:
— Múmia egípcia é a sua mãe.
Zíbio Roscoleto apesar de sem razão, contestou:
— Que bicho te mordeu, Margarida?
— O cachorro sarnento do senhor seu pai, que Deus o tenha.

Zíbio Roscoleto, visivelmente encolerizado, enfezou os ânimos:
— Pelo jeito você ao acordar deve ter passado antes pelos desvãos celestes da metafísica. Acertei?
— Vai te catar. Procure antes de cagar pela boca se olhar a si mesmo dentro da bacia da privada. Não esqueça de dar descarga para que o fedor não se propague pela casa.
— Que mal pergunte: fez isso hoje, Margarida? Se olhou para si mesma?
— Sim.
— E o que viu?
— Uma mulher chorando sobre as próprias lágrimas pelo fato de ter se casado com um cagalhão.

— Não vejo assim...
— É que a sua côdea (1) não deixa.
— Sua o quê...?
— Minha não. Sua...
— O que isso que acabou de falar quer dizer? Traduza.
— Que existe um redemoinho dentro de nós. À noite, ele me desperta e me faz sentir que a nossa cama aumentou de tamanho...
— Margarida, você por acaso mandou pra barriga o fruto que Himeneu rejeitou?
— Quem rejeitou?

— Sua besta quadrada. Eu falei Himeneu (2).
— Besta quadrada é o raio que o parta. E vá você com esse tal de Himeneu para os quintos.
Após essa quase discussão, a esposa se retirou para a cozinha. Amanda e Olivar Camundongo ficaram na mesa junto com pai:
— Vocês vão se retirar também? — indagou Zíbio Roscoleto a certa altura.
Amanda não tardou em dar a resposta:
— Não, pai...

— Obrigado. Ultimamente eu e sua mãe vivemos às farpas.
Olivar Camundongo arriscou puxar conversa. Observou:
— Espero que eu e sua filha não cheguemos a esse ponto...
Amanda mandou um chute discreto na perna de Olivar por debaixo da mesa:
Zíbio Roscoleto olhou firme para a filha e depois encarou o genro:
— Sinceramente, cá com meus botões, torço para que você não seja um monte de lixo, ou um pacote de titica, como eu, meu rapaz...
Após essas palavras os três terminaram de comer no mais completo silêncio.

Notas de rodapé: 
1) Côdea – Casca, crosta. 
2) Himeneu – Ou Himeneu de Éfeso. Éfeso era uma cidade antiga na região de Egeu, no centro da Turquia. Himeneu não ia além de um cristão primitivo dessa localidade. Um contrário combatente aos princípios do apóstolo Paulo. Por conta, Paulo o associou a Alexandre e Fileto, ambos oriundos da mesma província. Quanto a fruta rejeitada por Himeneu, foi a de ele não acreditar piamente na Fé e blasfemar contra os princípios de Jesus Cristo. 

Título e Texto: Aparecido Raimundo de Souza, de Vila Velha no Espírito Santo. 17-3-2023 

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Um comentário:

  1. APARECIDO, quero ser a primeira a desejar à você toda a felicidade do mundo. Que Deus Pai continue lhe abençoando hoje e sempre. Que a sua vida, os seus caminhos, os seus sonhos, os seus projetos, enfim, que o seu trilhar continue repleto de cores vivas e matizes alegres. Desejo também que você continue esse patrão maravilhoso que Papai do Céu colocou em minha estrada faz um bom tempo. Nossa! Que possamos juntos, comemorarmos muitos outros 19 de março vindouros. Pense. Setenta anos não é para qualquer um. Chegar aos setenta é uma coisa especial que somente as pessoas boas de coração e alma conseguem. Que eu, kikikikiki siga no seu caminho sendo essa 'agregada' kikikikiki que você pegou menina (lembra??!!) e fez dela mulher. E não só isso: agradecer pelo que hoje sou, onde cheguei, o que alcancei estando ao seu lado. Meu lindo, PARABÉNS, MUITOS ANOS DE VIDA. E OBRIGADA POR FAZER PARTE DA MINHA VIDA. TE AMO.
    Carina Bratt
    Secretária sempre, de Aparecido Raimundo de Souza
    De Vila Velha no Espírito Santo

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