Muitas pessoas, conscientes da importância dessa eleição para o Brasil, e compreendendo as consequências da vitória de um projeto da esquerda radical, perderam o rumo
Roberto Motta
Girando e girando
no giro crescente
O falcão não pode ouvir o falcoeiro;
As coisas desmoronam; o centro não se sustentará;
Anarquia é lançada sobre o mundo,
Avança uma maré suja de sangue, e em todos os lugares
A cerimônia da inocência é abafada;
Aos melhores homens falta convicção, enquanto os piores
Estão cheios de intensidade apaixonada.
William Butler Yeats, A Segunda Vinda
Como falar de amargura sem ser
amargo? Como falar de uma perda imensa, devastadora, se a natureza da perda
afeta nossa própria capacidade de descrevê-la?
Como explicar o que aconteceu,
de fato, no Brasil, nos últimos anos, e que continua acontecendo agora, sem,
nesse processo, comprometer nossos direitos, nossa sanidade, nossa segurança e
nossa liberdade?
Eis o fato essencial: a partir de 2014, o brasileiro renovou sua crença nas instituições e nas leis, e em sua validade, seriedade e permanência. Os brasileiros voltaram a se interessar por política. Um dos aspectos desse fenômeno é descrito como o renascimento da direita brasileira — sempre entendendo a direita como uma corrente política composta, majoritariamente, de liberais e conservadores, e aversa a todo tipo de autoritarismo.
Avenida Paulista, novembro de 2014. Foto: Will Rodrigues/Shutterstock |
Sem o registro de uma grande mídia profissional e imparcial, como saber o que realmente aconteceu na última década? Darei meu testemunho — o testemunho de quem foi participante de alguns dos principais eventos desses anos, como cidadão comum e, duas vezes, como candidato: primeiro a deputado federal (em 2018) e depois a vereador (em 2020). Meu “despertar” para a política acontecera em 2009, quando eu e um então amigo querido resolvemos embarcar na (insensata, porém maravilhosa) aventura de criar um partido político, que acabou se tornando o partido Novo.
Estive em todas as
manifestações desde 2014. Andei no meio das multidões, subi em carros de som,
discursei várias vezes, fui incluído em dezenas de grupos de WhatsApp. Fiz
palestras do Rio Grande do Sul ao Amazonas, sempre sobre os mesmos temas:
liberdade, segurança pública, combate à corrupção. Em resumo, sobre como mudar
o Brasil. Nesse meio-tempo publiquei quatro livros.
Pouco
importavam a perda de vidas ou o desastre econômico; o que importava era a
chance de, desde o primeiro minuto, colocar a culpa de tudo que viesse a
acontecer no presidente Bolsonaro
Discutíamos, sonhávamos e
trabalhávamos por uma forma melhor de fazer política. Não pedíamos uma política
pura, desinteressada, virginal; sabíamos que isso não era possível. Ainda
assim, tínhamos a ousadia de desejar um sistema político em que os cargos mais
importantes do país não fossem ocupados pelas piores pessoas.
Não é exagero dizer que o
Brasil se embriagou de liberdade.
Tivemos conquistas
importantes, inéditas — e acreditamos que essas conquistas durariam para
sempre.
Acreditamos na criação de
mecanismos que impedissem a impunidade de políticos corruptos. Acreditamos que
diminuiria um pouco a distância entre as convicções que expressamos no voto e
as ações dos eleitos. Acreditamos em uma Justiça que nos protegeria do crime
violento e da corrupção, sem ceder às pressões de poderosos.
Essa crença não se limitou aos
ativistas políticos ou às grandes cidades. Ao contrário, pela primeira vez, no
tempo de nossas vidas, ela chegou a pessoas que nunca tinham se interessado por
política.
Virou lugar-comum dizer isso,
mas continua sendo a expressão de uma verdade profunda e de uma enorme surpresa
para a minha cética geração: muitos brasileiros passaram a conhecer
melhor a formação dos Tribunais Superiores do que a escalação da Seleção
Brasileira.
Esse sempre foi, em nosso
imaginário, o marco do momento em que o Brasil tomaria consciência de si
próprio: a troca do futebol pela política como principal interesse.
Foi isso que ocorreu.
Entre as cenas que presenciei
está uma conversa do porteiro-chefe de um edifício residencial com os porteiros
auxiliares e serventes, na qual o porteiro-chefe explicava o que estava em jogo
nas eleições de 2022. Suas explicações nada deviam, em informações e clareza,
às de um bom cientista político.
Mas, enquanto o brasileiro
comum se embriagava nas ruas com inéditos sentimentos de patriotismo, liberdade
e justiça, longe dali, na penumbra de escritórios luxuosos, planejava-se com
detalhe a reversão das conquistas daqueles anos.
Esses planos começaram a ser
executados já no início do governo Bolsonaro.
A primeira decisão foi a de
submeter o presidente a um impeachment a qualquer custo.
Então veio a pandemia, considerada uma dádiva pela esquerda; várias de suas lideranças afirmaram exatamente isso. Pouco importavam a perda de vidas ou o desastre econômico; o que importava era a chance de, desde o primeiro minuto, colocar a culpa de tudo que viesse a acontecer no presidente Bolsonaro e nas forças populares que o apoiavam.
Assim aconteceu na República
Federativa do Brasil, da mesma forma que aconteceu nos Estados Unidos da
América. A partir daquele momento, para a maioria da mídia e para o grupo
político de oposição — apoiado pela intelligentsia e por
ativistas judiciais incrustados em todas as instituições do Estado —, a verdade
tornou-se um detalhe irrelevante e inconveniente.
Uma sequência de atos
políticos e decisões sem precedentes aconteceu diante dos nossos olhos,
ignorando as regras mais elementares e consolidadas sobre direitos civis,
separação de Poderes, democracia e liberdade.
Tudo, claro, em nome de um
certo Estado Democrático de Direito, expressão incansavelmente
repetida, em tom de repreensão ou ameaça, por senhores carrancudos em discursos
intermináveis. Era um lembrete de que, no Brasil, até a lógica mais elementar
pode ser violada por poderosos, e qualquer coisa pode ser transformada em seu
oposto, sem que seja necessário sequer mudar seu nome.
Assistimos à destruição da
liberdade em nome da liberdade.
O véu caiu, e o Leviatã
mostrou a face.
Até o quarto Poder — a
imprensa — deu um salto triplo carpado e mergulhou de cabeça nessa piscina
distópica, com a criação de um inédito consórcio de veículos de
imprensa, unindo os principais veículos de mídia em um só, com o objetivo
de descrever o que acontecia no Brasil, quase como o oposto do que realmente
ocorria.
Esse “consórcio” de informadores, saído direto das páginas do livro 1984, de George Orwell, é responsável por pérolas imortais, como a “despiora da economia”, e pela técnica espetacularmente desavergonhada de apresentar uma informação positiva sempre terminada com “mas”, e seguida de alguma ponderação negativa, em geral irrelevante.
Talvez nunca tenha existido,
em nossa acidentada história, um ataque com tanta virulência e abrangência
contra tudo e todos que pudessem ser, ainda que remotamente, associados a um
governo.
Esse ataque não poupou o
cidadão comum, que foi às ruas aos milhões, vestindo camisa verde-amarela,
enrolado na bandeira nacional. Ele foi ofendido e atacado na mídia, acusado de
crimes e cancelado nas redes. Simples opiniões expressas em um grupo privado de
WhatsApp produziram consequências gravíssimas.
Foi o esgarçamento de tudo.
O resultado foram eleições que
permanecerão uma memória ruim para milhões de brasileiros pelo resto de suas
vidas. Para eles, o ano de 2022 nunca terminou.
Restaram desânimo, desilusão
e, em muitos casos, desistência da política.
Há outra consequência muito
ruim.
Algumas pessoas, sem
compreender as pressões que foram exercidas sobre veículos de mídia de direita,
decidiram que eles deveriam ser ignorados ou cancelados, porque não conseguiam
mais manter a linha editorial que sempre seguiram até as eleições de 2022.
Ou seja: além do ataque da
esquerda, que incluiu incessante ativismo judicial e a atuação de grupos
semiclandestinos pressionando pelo cancelamento dos contratos de
anunciantes, os veículos de mídia de direita passaram a ser atacados
também por setores da própria direita — atacados por terem sido
vítimas das táticas da esquerda.
A queda de audiência nos
poucos veículos de mídia de direita ainda existentes foi desastrosa; em muitos
casos, fatal.
Estávamos embriagados de
liberdade. Chegou a ressaca.
Com ela vieram o choque, a
decepção, a tristeza, a incredulidade e, frequentemente, a depressão. Muitas
pessoas, conscientes da importância dessa eleição para o Brasil, e
compreendendo as consequências da vitória de um projeto da esquerda radical —
desde a economia até a segurança pública —, perderam o rumo.
Nessa desorientação, muita
gente decidiu se desligar de tudo.
É uma ressaca brutal, cruel,
que acontece justamente quando os defensores da liberdade deveriam estar em
mobilização máxima.
Não há a quem culpar.
É natural que aqueles que
sofreram intimidação brutal e violação de direitos se recusem a participar de
uma política que parece a encarnação da corrupção institucionalizada, uma
articulação de poderosos para manter oprimida, desinformada e pobre a maior
parte da população.
Vivendo uma farsa — derrotada,
ameaçada e roubada de seus direitos: é assim que muita gente se sente hoje.
O que aconteceu no Brasil nos
últimos meses desafia explicações.
Mas, um dia, explicações terão
de ser dadas.
Ninguém fica de ressaca a vida
inteira.
Título e Texto: Roberto Mota, Revista Oeste, nº 156, 17-3-2023
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ResponderExcluirTudo por nada. A voz do povo não tem ressonância. Vale mais um saco de ratos assanhados cagando no poder e limpando as respectivas bundas com a "Bundeira brazzzzzzileira". Viva a nossa eterna "Desordem e Congresso".
Aparecido Raimundo de Souza
de Vila Velha ES