sábado, 25 de março de 2023

Impotência essencial

Jason Brennan

Numa democracia todos os cidadãos têm poder político fundamental igual. Embora a democracia conceda a cada cidadão uma parte igual de direitos políticos fundamentais, é uma parte pequena, na verdade.

Defina-se a variável P como o poder completo do governo. Numa monarquia absoluta, o direito a governar reside numa pessoa. De jure, o monarca tem o poder P, enquanto todas as outras pessoas têm poder zero (claro que de fato o monarca terá menos que P nalguns assuntos e alguns súditos terão mais que zero).

Por lei, numa democracia representativa todos os cidadãos têm uma quota de P 7 N do poder total, em que N = número de cidadãos. Claro que o poder que os cidadãos têm de fato é variável. Presidentes, deputados, lobistas, celebridades com influência ou especialistas nisto e naqui8lo, e por aí gora, têm mais poder, enquanto os outros têm menos.

No entanto, mesmo que essa influência desigual possa ser eliminada, é enganador dizer que numa democracia cada cidadão detém uma quota P / N de poder. É preferível dizer que o cidadão modal ou médio, na sua capacidade como votante e potencial candidato eleitoral, tem ꝺ, uma quantidade infinitesimal de poder ˃ 0. A maior parte dos cidadãos tem uma possibilidade muitíssimo pequena de ter algum peso através das atividades políticas.

Tenho aproximadamente 1 / 210 000 000 do poder legal de votar nos Estados Unidos. Opus-me ativamente às iniciativas militares do meu país nos últimos dez anos. Não se trata de pensar que com o meu voto contra os falcões tenha reduzido a belicosidade dos EUA uma quota de 1 / 210 000 000. Não impedi uma única bala de ser disparada- Não tive efeito nenhum. Analogamente, preferia reduzir os impostos sobre os ganhos de capital a zero e, em vez disso introduzir impostos mais elevados sobre o valor acrescentado.

Contudo, as minhas atividades não mudaram impostos de nenhum tipo em nenhum montante. Por fim, sou um forte defensor de fronteiras abertas. Porém, nem um único indivíduo foi admitido nos Estados Unidos em resultado dos meus votos, nem um único indivíduo foi autorizado a ficar sequer um segundo mais nos Estados Unidos até ser deportado.

As minhas atividades políticas não tiveram absolutamente nenhum efeito na lei ou na política, e muito provavelmente nunca terão. A menos que esteja numa posição melhor, o mesmo acontece com o leitor.

Uma das queixas quanto à epistocracia, comparada com a democracia, é privar alguns cidadãos da sua quota de poder. Mas não estamos a negar aos cidadãos uma fatia da tarte do poder. Estamos a negar-lhes migalhas.

A ideia de que a democracia nos dá poder é intuitiva, mas provavelmente assenta numa falácia da divisão despercebida. A democracia dá-nos certamente poder de um modo que as ditaduras não dão. Mas, apesar de a democracia nos dar poder, não lhe concede poder a si, ou a mim, aos seus amigos, à sua mãe ou aos seus filhos adultos.

A democracia não dá poder a indivíduos. Retira poder aos indivíduos e, em vez disso, proporciona-o à maioria do momento. Numa democracia, os cidadãos individuais quase não têm poder.

Lembre-se de duas das questões básicas que tenho vindo a levantar:

1) Os direitos políticos e a participação política são bons para os indivíduos?

2) Os indivíduos têm direito a votar e a concorrer a eleições por uma questão de justiça?

Espera-se que a ideia de que a democracia lhe dá poder de algum modo justifique responder “sim” a ambas as questões. Mas, uma vez que realmente a democracia não lhe concede poder a si, ou a mim, não descobrimos ainda a razão para responder a qualquer das questões pela afirmativa.

Um estudo de 2015 da Monmouth University conclui que os americanos estão cada vez mais céticos quanto ao valor da sua participação política individual enquanto meio de provocar “mudança”. Quarenta e quatro por cento acreditam que “podem ser mais eficazes no mundo à sua volta por se envolverem em atividades não políticas”, enquanto uns meros “vinte e oito por cento dizem estar envolvidos no governo e nas eleições é o caminho com o fim de efetivar mudanças nas suas comunidades”.

Alguns tomam isto como uma indicação de que o eleitorado dos EUA se tornou cínico. Talvez sim, mas neste caso o cinismo das pessoas tornou as suas crenças mais razoáveis e realistas.

Título e Texto: Jason Brennan, in “Contra a Democracia”, Editora Gradiva, 2020, páginas 158/160
Digitação: JP, 25-3-2023


Relacionados:
O que os cidadãos não sabem
[Livros & Leituras] Contra a Democracia
Metade dos americanos acha que a imprensa tem a clara intenção de desinformar
Epistocracia
As liberdades políticas não são como as outras

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Não publicamos comentários de anônimos/desconhecidos.

Por favor, se optar por "Anônimo", escreva o seu nome no final do comentário.

Não use CAIXA ALTA, (Não grite!), isto é, não escreva tudo em maiúsculas, escreva normalmente. Obrigado pela sua participação!
Volte sempre!
Abraços./-