Colunista do DIÁRIO DO RIO fala sobre a
discussão da operação aeroportuária
Carlos Murdoch
O acalorado debate sobre o equilíbrio dos aeroportos cariocas expõe uma ferida aberta por anos de crise e esvaziamento econômico da cidade, provavelmente mais profunda do que a racional discussão sobre a praticidade e rentabilidade da operação aeroportuária. É uma manifestação clara da crise de identidade pela qual a cidade, a metrópole e o estado do Rio de Janeiro atravessam. Devemos decidir neste momento, como coletividade, o que desejamos do futuro.
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Foto: Rafa Pereira |
Alguns de nós ainda sonham com
Estado da Guanabara, status de capital federal, Maracanã com geral, com o Cassino
da Urca, Bossa Nova e com o Zé Carioca. Para estes, o assunto Santos Dumont é
quase um tabu, um dogma, uma realidade imutável… De fato, momentos maravilhosos
da cidade, dos quais devemos nos orgulhar e compreender que ainda hoje são a
base do “ser” carioca. Porém, o tempo não para. Desde a mudança da capital para
Brasília (1960) e a fusão com o Estado do Rio (1975), assistimos a uma lenta
degradação da cidade/metrópole como referência cultural e econômica. Tal qual
um rei, que perde a coroa, mas ainda age e pensa como um monarca. Em algum
momento esta conta é cobrada. A hora chegou.
De um lado temos um aeroporto muito charmoso, com a cara do Rio, construído heroicamente em 1936 ao lado no coração do Centro da capital federal em um tempo em que isto fazia sentido. Do outro, temos uma das melhores infraestruturas aeroportuárias da América Latina, confortável, ampliável, já tendo sido considerado “a principal porta de entrada do Brasil”. Sabemos que nem tudo são qualidades. Ambos possuem fatores negativos como a limitação da capacidade das aeronaves (SDU) e a insegura acessibilidade ao Galeão.
O ponto de inflexão. Olharemos
para o futuro ou nos manteremos apegados ao passado? Inegável que o SDU ganhou
uma sobrevida recente devido ao inchaço artificial do número de voos, realizado
nitidamente com o objetivo de aumentar seu valor em licitações futuras. Mas a
que custo? Quem utiliza o SDU, percebe uma movimentação digna de rodoviária em
véspera de feriado, o impacto no trânsito do entorno já é notório, sem falar
nos aspectos ambientais. A INFRAERO afirma que em 2022, 10 milhões de usuários
utilizaram o SDU e que este possui capacidade operacional para 16 milhões.
Dentre as perguntas a serem feitas destaco: a cidade suporta este aumento?
As opiniões são as mais
diversas. Alguns defendem que o SDU é perto da casa/trabalho. A resposta é,
positiva para quem reside/trabalha na zona sul, Centro e algumas áreas da zona
norte. Porém, para quem mora em Santa Cruz, Campo Grande e adjacências (45% da
população)? Este argumento faz algum sentido? Certamente que não.
A concentração de voos no SDU
se torna predatória quando prejudica a possibilidade de o Galeão retomar sua
posição como um HUB (concentrador) de voos domésticos e internacionais. Neste
momento, estamos alimentando os HUBS (via SDU) de outros estados (notavelmente
Minas Gerais e São Paulo). Em bom português: estamos colocando a azeitona na
empada dos outros. As perdas são imensas: 4,5 bilhões/ano pela ociosidade do
GIG (FIRJAN), empregos diretos (22 mil no passado contra 7 mil hoje) e
indiretos (160 mil, sendo 113 mil apenas para o setor turístico).
As soluções imediatas
apresentadas – como a limitação de voos do SDU e a transferência de uma parcela
para o GIG, por sua vez, também possui um caráter artificial, portanto,
temporal e paliativa. A solução definitiva não se dará apenas na base da
canetada, pois não se sustentará sobre o tempo. Comparando a relação PIB x
número de aeroportos com outras metrópoles importantes, verificamos que a
economia do Rio não comporta, nem nas previsões otimistas, a necessidade de
manter ambos os equipamentos funcionais. Desta forma, retornamos ao impasse:
Rio do Futuro ou Rio do Passado?
Concluímos que dentre os
maiores obstáculos para a recuperação do Galeão, destaca-se sua acessibilidade/mobilidade
urbana. Portanto, o primeiro passo é conectá-lo a um transporte de massa
confiável e rápido. Leia-se: Metrô (podendo contar com trechos em superfície).
No mesmo pacote, estender a linha à Ilha do Governador, dentre as inúmeras
possibilidades.
É hora de trocarmos nossas
lentes. Ao invés da vantagem em curto prazo, devemos possuir uma perspectiva de
longa duração com a certeza de que, coletivamente, será muito mais vantajoso no
longo prazo. Neste caso, abraço efusivamente a causa do Rio do Futuro e coloco
todas as fichas no Galeão. Precisamos mirar alto, com grandes metas de
prosperidade e oportunidades para todos através da consolidação de nossas
vocações – tecnologia, inovação, criatividade, negócios, cultura, turismo, sem
esquecer de altas doses da simpatia carioca. Para tal, precisamos de um acordo
político estrutural para o Rio em todas as instâncias: municipal, estadual e
federal em um nível suprapartidário. O futuro do Rio há de ser radiante
tornando-se uma região global no século XXI. O futuro começa agora.
Título e Texto: Carlos Murdoch, Diário do Rio, 18-4-2023
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