terça-feira, 18 de abril de 2023

Santos Dumont, Galeão e a Síndrome da Bossa Nova

Colunista do DIÁRIO DO RIO fala sobre a discussão da operação aeroportuária

Carlos Murdoch

O acalorado debate sobre o equilíbrio dos aeroportos cariocas expõe uma ferida aberta por anos de crise e esvaziamento econômico da cidade, provavelmente mais profunda do que a racional discussão sobre a praticidade e rentabilidade da operação aeroportuária. É uma manifestação clara da crise de identidade pela qual a cidade, a metrópole e o estado do Rio de Janeiro atravessam. Devemos decidir neste momento, como coletividade, o que desejamos do futuro.

Foto: Rafa Pereira

Alguns de nós ainda sonham com Estado da Guanabara, status de capital federal, Maracanã com geral, com o Cassino da Urca, Bossa Nova e com o Zé Carioca. Para estes, o assunto Santos Dumont é quase um tabu, um dogma, uma realidade imutável… De fato, momentos maravilhosos da cidade, dos quais devemos nos orgulhar e compreender que ainda hoje são a base do “ser” carioca. Porém, o tempo não para. Desde a mudança da capital para Brasília (1960) e a fusão com o Estado do Rio (1975), assistimos a uma lenta degradação da cidade/metrópole como referência cultural e econômica. Tal qual um rei, que perde a coroa, mas ainda age e pensa como um monarca. Em algum momento esta conta é cobrada. A hora chegou.

De um lado temos um aeroporto muito charmoso, com a cara do Rio, construído heroicamente em 1936 ao lado no coração do Centro da capital federal em um tempo em que isto fazia sentido. Do outro, temos uma das melhores infraestruturas aeroportuárias da América Latina, confortável, ampliável, já tendo sido considerado “a principal porta de entrada do Brasil”. Sabemos que nem tudo são qualidades. Ambos possuem fatores negativos como a limitação da capacidade das aeronaves (SDU) e a insegura acessibilidade ao Galeão.

O ponto de inflexão. Olharemos para o futuro ou nos manteremos apegados ao passado? Inegável que o SDU ganhou uma sobrevida recente devido ao inchaço artificial do número de voos, realizado nitidamente com o objetivo de aumentar seu valor em licitações futuras. Mas a que custo? Quem utiliza o SDU, percebe uma movimentação digna de rodoviária em véspera de feriado, o impacto no trânsito do entorno já é notório, sem falar nos aspectos ambientais. A INFRAERO afirma que em 2022, 10 milhões de usuários utilizaram o SDU e que este possui capacidade operacional para 16 milhões. Dentre as perguntas a serem feitas destaco: a cidade suporta este aumento?

As opiniões são as mais diversas. Alguns defendem que o SDU é perto da casa/trabalho. A resposta é, positiva para quem reside/trabalha na zona sul, Centro e algumas áreas da zona norte. Porém, para quem mora em Santa Cruz, Campo Grande e adjacências (45% da população)? Este argumento faz algum sentido? Certamente que não.

A concentração de voos no SDU se torna predatória quando prejudica a possibilidade de o Galeão retomar sua posição como um HUB (concentrador) de voos domésticos e internacionais. Neste momento, estamos alimentando os HUBS (via SDU) de outros estados (notavelmente Minas Gerais e São Paulo). Em bom português: estamos colocando a azeitona na empada dos outros. As perdas são imensas: 4,5 bilhões/ano pela ociosidade do GIG (FIRJAN), empregos diretos (22 mil no passado contra 7 mil hoje) e indiretos (160 mil, sendo 113 mil apenas para o setor turístico).

As soluções imediatas apresentadas – como a limitação de voos do SDU e a transferência de uma parcela para o GIG, por sua vez, também possui um caráter artificial, portanto, temporal e paliativa. A solução definitiva não se dará apenas na base da canetada, pois não se sustentará sobre o tempo. Comparando a relação PIB x número de aeroportos com outras metrópoles importantes, verificamos que a economia do Rio não comporta, nem nas previsões otimistas, a necessidade de manter ambos os equipamentos funcionais. Desta forma, retornamos ao impasse: Rio do Futuro ou Rio do Passado?

Concluímos que dentre os maiores obstáculos para a recuperação do Galeão, destaca-se sua acessibilidade/mobilidade urbana. Portanto, o primeiro passo é conectá-lo a um transporte de massa confiável e rápido. Leia-se: Metrô (podendo contar com trechos em superfície). No mesmo pacote, estender a linha à Ilha do Governador, dentre as inúmeras possibilidades.

É hora de trocarmos nossas lentes. Ao invés da vantagem em curto prazo, devemos possuir uma perspectiva de longa duração com a certeza de que, coletivamente, será muito mais vantajoso no longo prazo. Neste caso, abraço efusivamente a causa do Rio do Futuro e coloco todas as fichas no Galeão.  Precisamos mirar alto, com grandes metas de prosperidade e oportunidades para todos através da consolidação de nossas vocações – tecnologia, inovação, criatividade, negócios, cultura, turismo, sem esquecer de altas doses da simpatia carioca. Para tal, precisamos de um acordo político estrutural para o Rio em todas as instâncias: municipal, estadual e federal em um nível suprapartidário. O futuro do Rio há de ser radiante tornando-se uma região global no século XXI. O futuro começa agora.

Título e Texto: Carlos Murdoch, Diário do Rio, 18-4-2023 

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Não publicamos comentários de anônimos/desconhecidos.

Por favor, se optar por "Anônimo", escreva o seu nome no final do comentário.

Não use CAIXA ALTA, (Não grite!), isto é, não escreva tudo em maiúsculas, escreva normalmente. Obrigado pela sua participação!
Volte sempre!
Abraços./-