Um dos fundadores do PT o achava 'meio farsante', 'um oportunista'. O intrigante é como tanta gente do PT e de fora do PT acredita em Lula
Mario Sabino
Depois que Lula fez exatamente o que disse que faria, presentear o seu advogado de defesa com uma cadeira de ministro do Supremo Tribunal Federal, muita gente espantou-se (ou fingiu espanto) por ele ter contrariado o que afirmara na campanha: que não nomearia um chapa seu para a mais alta corte do Judiciário, como fez Jair Bolsonaro (“nomear” é o verbo que corresponde à realidade, “indicar” é o verbo da fantasia constitucional brasileira).
Não há por que espantar-se com
Lula. Nunca existiu princípio de impessoalidade para ele. Nem como líder
sindical, nem como chefão de partido, nem como presidente da República. Lula é
uma pessoa cuja única finalidade está em si mesmo — em atender, acima de tudo,
às suas próprias conveniências.
É fato sabido, provado,
registrado, mas estranhamente deixado de lado por metade dos brasileiros nas
eleições. Um dos fundadores do Partido dos Trabalhadores (PT), por
exemplo, o sociólogo Francisco de Oliveira, que depois se filiaria ao PSol (era
de esquerda de verdade), deu uma entrevista
ao programa Roda Viva, em 2012, que causou imenso
desconforto entre os petistas. Ele disse que “Lula é muito mais esperto do que
vocês pensam. O Lula não tem caráter, ele é um oportunista”.
Francisco de Oliveira também afirmou: “Se ele quiser, que me processe. O Lula é uma vocação de caudilho, a antessala do ditador”. Ou seja, a defesa que o atual presidente da República fez do tirano da Venezuela, Nicolás Maduro, é expressão límpida do seu pensamento, do seu desejo nada recôndito. E também das suas ações passadas, ora bolas, porque ele sempre foi apoiador declarado do regime chavista, que causou a diáspora de 7 milhões de venezuelanos. Onde está a surpresa?
Francisco de Oliveira morreu
em 2019, na crença de que Lula não havia roubado dinheiro público. Mas, como
homem de esquerda experimentado na militância política e provado pela tortura
da ditadura militar, ele não nutria muitas ilusões. O seu depoimento para o
livro 1964 – Do Golpe à Democracia, organizado por Angela Alonso e
Natalia Dolhnikoff, é mais do que o relato de uma testemunha da história.
Francisco de Oliveira foi um protagonista da história que, no final da vida,
não tinha mais nada a perder porque não tinha nada a ganhar.
O que Francisco de Oliveira
falou sobre Lula
Nos trechos que destaco
abaixo, o sociólogo desfaz a mitologia criada em torno de Lula e do Comício da
Vila Euclides, no final da década de 1970, episódio considerado capital para a
luta pela redemocratização e que lançou o então líder metalúrgico Lula para a
cena nacional. Entre outras coisas, Francisco de Oliveira diz que “quem
derrotou a ditadura foi a classe média”. Sim, a classe média tão espinafrada
pelo PT. Leia:
“Nunca achei que o Lula
fosse o caminho da revolução, aliás, quem acertava em cheio no Lula era o
Roberto Freire, o ‘partidão’ nunca apostou no PT. Um pouco por ciumeira, porque
o PT passou o trator. Um pouco porque, como se dizia antigamente, o ‘partidão’
tinha uma teoria sobre o Brasil, coisa que o PT não tem e nunca teve, e nessa
teoria sobre o Brasil o Lula não se encaixava bem. Eles nunca apoiaram o PT.”
“Eu estava mais para o lado
do ‘partidão’, embora nunca tivesse entrado no partido, achava o Lula um pouco
farsante. Para mim era muito estranho que um líder operário não conhecesse a
história operária. Ele não conhecia nada, nem conhece, na verdade ele foi
empurrado para lá pelo irmão dele, que o povo chamava de Frei Chico. Esse era
militante. O Lula não.”
“Direi uma coisa
heterodoxa: quem menos liderou a redemocratização foi a classe operária. É que
a gente, por causa do velho Marx, tem essa adulação. Quem derrotou a ditadura
foi a classe média. Derrotou não como classe, derrotou entrando no MDB,
derrotou fazendo todo tipo de política que era possível fazer, não foi a classe
operária, isso é uma adulação boba, e já está na hora, não de desfazer qualquer
coisa, mas de entender o movimento real da história que houve no Brasil. Você
não tinha grandes movimentações.”
“Quando chegou ao auge em
que essa panela já borbulhava por fora, aí você tem o Comício de Vila Euclides,
mas, se você olhar antes o trajeto, peguem fotografias da época, quem está
liderando as passeatas? Ulysses Guimarães, Fernando Henrique, são eles que
estão lá na frente. Mesmo porque a visibilidade política dessa fração da classe
média sempre foi maior. Mas nos momentos de auge, no famoso Comício da Vila
Euclides, aí se projetam também outras imagens. Mas na maior parte dos casos,
sem nenhum desdouro, as figuras eram da classe política.”
O que me intriga, e sempre vai
me intrigar, é como tanta gente do PT e de fora do PT acredita há tanto tempo
piamente em Lula e ainda se espanta (ou acha que dá para fingir espanto) com o
que ele diz que vai fazer de errado e faz. Lula é uma alucinação coletiva
permanente de um terço dos brasileiros e de metade deles há várias eleições.
Título e Texto: Mario Sabino, Revista Oeste, 10-6-2023, 21h 30
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