sexta-feira, 9 de junho de 2023

Revista Oeste nº 168: Carta ao Leitor

A festa dos impunes, a censura ao riso e o fim dos hospitais de custódia estão entre os destaques desta edição

Branca Nunes

A sobriedade da camisa preta de um contrasta com o paetê prateado da blusa do outro. E as hastes quase invisíveis dos óculos colidem com o grosso traço avermelhado acima dos olhos do parceiro. O septuagenário à esquerda exibe um sorriso malandro e tem os ralos fios de cabelo caprichosamente penteados para trás. A gargantilha de couro acentua o ar sadomasoquista do sexagenário à direita, com longos cabelos grisalhos, desgrenhados como a barba. Abraçados, eles posam para a câmera fazendo um “L” com o indicador e o polegar.

“A imagem do escárnio”, na definição de Rodrigo Constantino, mostra o “consultor” José Dirceu e o advogado criminalista “Kakay”, um dos mais agressivos inimigos da Operação Lava Jato, comemorando em Paris a cassação do mandato do deputado federal Deltan Dallagnol. “A cena é o retrato fiel da política brasileira de hoje”, resume Silvio Navarro, na reportagem de capa desta edição. As imagens lembram as celebrações ocorridas na capital francesa da Turma do Guardanapo, formada pelo então governador Sérgio Cabral e empresários envolvidos num cortejo de negociatas com o dinheiro dos pagadores de impostos. 

A foto que viralizou nesta semana “ilustra com perfeição a total inversão de valores em nosso país hoje”, afirma Constantino. “Os bandidos e defensores de bandidos estão à vontade, contentes, rindo de orelha a orelha e consumindo rios de dinheiro. Eles acham graça de quem tenta levar o Brasil a sério.”

Enquanto isso, quem deveria fazer rir é ameaçado pelos que deveriam aplicar a Lei a criminosos de verdade. Há alguns meses, o humorista Léo Lins foi proibido de contar piadas “com conteúdo depreciativo ou humilhante em razão de raça, cor, etnia, religião, cultura, origem, procedência nacional ou regional, orientação sexual ou de gênero, condição de pessoa com deficiência ou idosa, crianças, adolescentes, mulheres, ou qualquer categoria considerada como minoria ou vulnerável”. 

A reportagem de Anderson Scardoelli e Evellyn Lima demonstra que a decisão da juíza Gina Fonseca Correa transformou-a em protagonista da ressurreição da censura prévia no Brasil. Chico Anysio, Jô Soares, Ronald Golias e outros comediantes geniais teriam sido condenados à morte na fogueira se vivessem neste triste século 21.

A mesma Justiça que acha o riso perigoso determinou a soltura, até maio de 2024, de centenas de assassinos, estupradores e pedófilos mantidos longe da sociedade graças aos 28 hospitais de custódia existentes no país. A reportagem de Joice Maffezzolli descreve o drama dos familiares de doentes mentais criminosos ameaçados pela decisão do Conselho Nacional de Justiça. A libertação de gente que, sem o tratamento adequado, voltará a cometer os mesmos delitos amplia a inversão de valores que assusta o Brasil.

Boa leitura.

Branca Nunes, Diretora de Redação, 9-6-2023 

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