Faz duas semanas, minha mãe me estendeu este livro, comprado por ela em 1976, ano da publicação: “Queres levar?”
Publicar este livro tornou-se um
imperativo. Inadiável. Urgente. Fundamental para a interpretação de um dos
aspectos mais sinistros do "processo revolucionário": a
descolonização "exemplar". A visão de centenas de milhares de
refugiados de Angola e Moçambique vegetando numa sociedade metropolitana
incapaz de os absorver, é demasiado degradante para que seja justo conhecer
apenas a tese oficial ou "revolucionária".
A consequência de dezenas de milhares
de mortos, negros e brancos, portugueses, angolanos e moçambicanos, faz-nos
perguntar baixinho, no recolhimento de uma auto-crítica inevitável, o porquê de
tudo isto. O "porquê" e o "quem foi". Quem foi o
responsável, é uma pergunta concreta para a qual a paz interior exige uma
resposta concreta.
Jorge Jardim, ao escrever
Moçambique-Terra Queimada, interfere no tribunal da História. Dramaticamente,
fornece elementos para o tribunal dos homens.
Mas, para o grande público, quem é Jorge Jardim? Quem é este homem que foi apresentado à Opinião Pública como altamente perigoso? Em Junho de 1974, poderia ler-se na imprensa portuguesa que as Forças Armadas em Moçambique tinham recebido instruções para capturar ou abater o eng.° Jorge Jardim... Estas instruções haviam sido emitidas pelo general Costa Gomes.
Jardim, que chegou a ser denominado o
"Lawrence de África", tem 56 anos e doze filhos. Natural de Lisboa,
viveu 22 anos em Moçambique onde, aliás, nasceram seis dos seus filhos. Todos
ali foram educados e aprenderam, como o pai, a "sentir e pensar
Moçambique". Como moçambicanos.
Engenheiro agrónomo, soldado e
diplomata, homem de negócios e agente secreto, caçador de feras e jornalista, piloto aviador
e pára-quedista, chefe de família e aventureiro audacioso, político
desconcertante e estratega sereno, Jorge Jardim conhece profundamente
Moçambique e todo o contexto africano. Manteve relações com quase todos os
chefes do governo da África Austral, sendo conhecidas a sua amizade com o Dr. Banda,
Presidente do Malawi, e a sua intimidade com o Dr. Kaunda, Presidente da
Zâmbia.
Figura lendária e controversa em todo o
Ultramar, sobretudo a partir de 1961 com o eclodir da guerra de Angola, Jardim
viu-se perseguido e obrigado a fugir de Portugal após o golpe militar de
"25 de Abril". Fuga que, aliás, descreve em algumas das mais
emocionantes páginas de Moçambique-Terra Queimada.
Colaborador íntimo de Salazar a quem
admirava e de quem, talvez, tenha apreendido o culto da eficácia, o eng.° Jorge
Jardim possuía, muitos meses antes da Revolução das Flores, um plano para a
independência de Moçambique, plano que tinha o acordo da Zâmbia, do Malawi, da
Tanzânia e da própria Frelimo. É este um dos aspectos mais sensacionais deste
livro a demonstrar que "nunca tão poucos traíram tantos em tão pouco
tempo". A demonstrar que esses poucos têm de ser julgados. Dramaticamente
já.
Contudo, esta obra não revela apenas o
plano, conhecido de alguns como o Programa de Lusaka, nem é somente uma
colectânea de memórias. Vai mais longe para se tornar uma arma de combate em
que descreve, documenta, analisa e denuncia os crimes cometidos dentro de um
plano premeditado, cujos responsáveis aponta.
"Quero voltar ainda a Moçambique,
para em Moçambique morrer. Pertenço àquela terra". Este é o grito do
Autor, expresso nesta obra, mas é também o grito de muitos milhares de homens e
mulheres que foram obrigados a fugir.
O Editor
Editorial Intervenção, Lisboa, 1976.
Marcação de Texto: JP, 29-4-2023
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