Aparecido Raimundo de Souza
Desde que a bela se acomodara, notei que colocara a mão esquerda no rosto, tampando o parcialmente. Esse gesto ligeiro, meio que opressivo, me chamou mais ainda a atenção, e, então, eu me dei conta do real motivo daquilo que para ela deveria permanecer ocultado. Longe das vistas de todos, escondido mesmo, como algo que não carecesse estar ao exposto de terceiros. O desencanto da sua desdita: ele se constituía num ponto medonho que ela não queria mostrar à curiosidade de terceiros, possivelmente por vergonha. Esse lado da sua mágoa se afixava na sua abertura oral. Era totalmente desconexa e torta, o que deformava o encanto da sua magia e colocava um tremor mórbido em seus lábios. Os olhos de um azul muito claro pareciam extremamente tristes. O aleijo, talvez de nascença, ou quem sabe causado por alguma enfermidade mal curada, deixara à sanha do desvairo público uma consternada sequela.
Um
desfecho que ela, por ser jovem, não conseguia engolir. E isso, visivelmente
gritava alto e em som manifesto. Constrangia, sobremaneira, aquela boneca
impecavelmente linda e inimitável. Obcecada pela vergonha, horrorizada pelo
fato de não se sentir à vontade, deduzi que ela não se ponderava feliz, embora
o albor da sua juventude dissesse exatamente o contrário. O tempo todo da
viagem, quase duas horas e meia, ela seguiu de rosto tapado. Vez em quando
trocava de mão, sempre escondendo o pejo da cicatriz malvada que lhe tirava o
viço e a diminuía na dor e na agonia, o que evidentemente a levava a se sentir
feia ou talvez, por essa razão, se via excluída das pessoas ao seu redor. Que desdita!
Olhei para
ela com ternura. Com um carinho especial. Tão linda e perfeita, todavia
atormentada, no âmago da sua insatisfação, por uma deformidade inverossímil.
Apesar disso, seja qual for o nosso problema, não devemos sentir vergonha de
certos desconfortos, por mais feios e sinistros que possam parecer. Todos nós
temos pequenos mutilos. Alguns desses amputos, visíveis. Outros nem tanto.
Entretanto, quero crer, e, em verdade abono piamente o que agora penso e
escrevo. Não importa onde o nosso ponto fraco, o nosso aleijo, ou a nossa
flagelação esteja manifesta, ou, via outra, onde a nossa desgraça se faça
estropiada.
O fato de
sabermos que alguma anormalidade, por menor que seja, nos diminui e tira o
nosso viço, bem ainda, atormenta a nossa alma, apavora o nosso espírito e
afasta a nossa sensibilidade do sermos felizes (e entenda aqui felicidade) na
sua melhor forma de expressão, não devemos nos preocupar. Mesmo norte, jamais
nos deixarmos ser levados pela leviandade de quem nos julga e nos coloca numa
visão dúbia e desconfigurada do que entendemos por dentro da “normalidade”. Por
conta de pequenas ou grandes cissuras, por levarmos em conta opiniões infames e
ignóbeis, ficamos divorciados de nós mesmos, e, sobretudo, deixamos de viver a
plenitude casta e honrável da verdadeira razão de sermos completamente
realizados.
Título e Texto: Aparecido Raimundo de Souza, de
Brasília Distrito Federal. 19-5-2023
Doidão
Acidente de percurso
[Aparecido rasga o verbo – Extra] Certas raridades às vezes fazem as toupeiras terem bom senso
O outro Benedito que não é santo
Trocando as bolas
Deu merda
[Aparecido rasga o verbo – Extra] A Fábula da floresta
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Não publicamos comentários de anônimos/desconhecidos.
Por favor, se optar por "Anônimo", escreva o seu nome no final do comentário.
Não use CAIXA ALTA, (Não grite!), isto é, não escreva tudo em maiúsculas, escreva normalmente. Obrigado pela sua participação!
Volte sempre!
Abraços./-