quarta-feira, 17 de maio de 2023

Favela não é programa habitacional e não era para existir

Favelas são insalubres, são inseguras e devemos assumir: não deveriam existir. São resultado da falta de um programa habitacional no Rio de Janeiro

Quintino Gomes Freire

Foto: Rafa Pereira

Tem coisas que parecem óbvias e lógicas, mas infelizmente acabam não sendo. Já falei do falso bom mocismo carioca, ou síndrome da Praça São Salvador, e como isso atrapalha a cidade. Na noite de terça-feira 16/5/23, mais um prédio desabou em uma favela do Rio de Janeiro, desta vez no Rio das Pedras. Talvez por ser justo no Rio das Pedras, e logo com potencial de ter sido construído pela milícia, a população bom-mocista não defenda tanto como se fosse nas suas amadas favelas dominadas pelo tráfico, mas não tem qualquer diferença no mérito: favela não é programa habitacional, e os seus problemas se repetem. Favela não é solução; é problema. É uma célula desordenada e descontrolada, uma doença do tecido habitacional da cidade.

Prefeitos vêm e vão, vereadores e governadores, deputados e senadores, e as favelas do Rio continuam crescendo e se tornando bolsões de criminalidade na cidade, além de grandes vilãs do meio-ambiente. Sim, sim, é óbvio que os que moram nestas comunidades não são todos criminosos, e sim apenas uma minoria fortemente armada que subjuga os demais. E tem aquele velho papinho que os verdadeiros barões do crime viveriam em suas coberturas na Vieira Souto, o fato que ninguém tem certeza, mas todos adoramos repetir. Mas é nas favelas que estão as armas e os bandidos que incomodam o dia a dia do cidadão – inclusive do morador da própria favela – vamos ter clareza sobre esta situação. O crime de colarinho branco poderia até vir a ser “pior” e afetar mais vidas indiretamente (?), mas nenhum turista deixa de ir para as Bermudas, Samoa ou Seychelles porque são paraísos fiscais.

Pelo motivo de que existe toda uma mística pseudocultural, quase religiosa, envolvendo as favelas, é que não se combate elas de frente. Houve coisas controversas na história da cidade, como retirar comunidades inteiras da Zona Sul e jogar todos para a Cidade de Deus, a quilômetros de distância do emprego e na época sem transporte adequado. Remoções traumáticas, mas que geraram regiões valorizadas, turísticas e bonitas, em que pese o trauma. Talvez não devamos defender isso, mas também a ideia Mozer a de “urbanizar” como foi o Favela Bairro já mostrou que não funciona, apenas adiou o problema, que continuou a existir e a crescer desordenadamente.

O cidadão, por mais pobre que seja, merece seus direitos básicos, que a favela não atende: não tem como ter saneamento básico, segurança, energia vem dos gatos de luz (que vem a causar a quase quebra da Light, razão para uma futura matéria) e tudo isso os deixa à margem da sociedade. O Estado não chega, claro que não chega, como chegar? Favelas nascem na ilegalidade, um pesadelo burocrático para qualquer governo por mais competente que seja. Ao mesmo tempo, apetitoso celeiro de votos – e dízimos – para muitos aproveitadores.

Há a necessidade de décadas de um verdadeiro programa habitacional no Rio de Janeiro, um programa sério, que retire a população de barracos e verticalize estas favelas, colocando praças, escolas, comércio e transportes. Ou mesmo usar terrenos vazios na Avenida Brasil para grandes conjuntos habitacionais estruturados e com boa aparência e proximidade a transportes, e o mesmo se pode dizer para espaços no Centro do Rio e na Zona Norte, onde já há infraestrutura. A rua Uranos, por exemplo, é um gigantesco é inútil deserto. Por que não enchê-la de moradias populares?

E os morros? Os morros do Rio são desenhados pela divindade que os criou para serem berço de Mata Atlântica, ou, em casos em que já há desmatamento, deveriam se tornar condomínios de alto valor agregado, casas com terrenos enormes ou mesmo prédios como ocorre nas montanhas de Mônaco ou Hong Kong. A legislação idiota que proibiu construções acima de 100m de altitude é a verdadeira causadora das favelas da zona sul. Ideia de algum idealista burro que quase arruinou a área turística da cidade. O que o mercado formal não pôde fazer, a informalidade fez. E fez feio.

Ninguém aguenta mais esse blábláblá de “cultura da favela”. Não existe essa cultura da favela: existe cultura popular, cultura brasileira, criatividade do nosso povo, que é forte, altivo e consegue encontrar alegria e felicidade até onde os problemas afloram de forma mais pungente. O povo que mora no conjunto habitacional, na Fazenda Botafogo, na Cruzada São Sebastião ou na subida da rua Zizi ou na da rua Maturaca, também tem religião, também tem cultura, também sabe cantar funk e samba.

Ainda quero sonhar com um Rio melhor, e isso passa por moradia digna para todos os cariocas, sem risco de desabamento, sem lixo pelas encostas, sem destruição de florestas e com dignidade para todos, além de um turismo forte, e uma política local com menos gente que precise construir bolsões de miséria para ficar se reelegendo.

Título e Texto: Quintino Gomes Freire, Diário do Rio, 17-5-2023 

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