terça-feira, 7 de março de 2023

[Livros & Leituras] Crônica de África

Crónica de África é uma viagem encantada por Luanda e por Angola, de 1959 a 1976. Como era a infância, como foi a adolescência nos trópicos? Livro pessoalíssimo, Crónica de África leva-nos dos bancos da Missão de São Paulo às salas do Liceu Salvador Correia, guia-nos pelo musseque Sambizanga e pelas ruas da Vila Alice, mergulha na Ilha de Luanda e no Mussulo.

São aventuras carregadas de ternura, histórias de magia, sonho e um pingo de nostalgia, histórias de quase delinquência, com um chimpanzé que bebe Coca-Cola e caranguejos em fuga à mistura.

Um livro para quem nunca foi a África – um livro para quem nunca esquecerá África.

Livro inspirado pela vida, entre uma lágrima e muito riso, com um capítulo final sobre a independência, que conta o primeiro réveillon revolucionário: «A carne talvez fosse fraca, o sal seria um veneno, mas nunca o molho pareceu tão bom.»

Um suave derrame sentimental

Manuel S. Fonseca

Acabara de me apaixonar por Natalie Wood. Vira-a, acolhedora, a deixar James Dean deitar-lhe a cabeça no colo, em Rebel Without a Cause. O que ela, adolescente, fazia no filme, um sorriso triste, beijos só de lábios a roçarem lábios, sonhava eu que era comigo. E o que Natalie oferecia era um suave derrame sentimental, doce enjoo intransmissível a terceiros.

Nessas férias de 68, nas noites cacimbadas de Luanda, o cinema Império passava um festival de reposições. Jurara promessas á ternura de Natalie Wood, mas noite é noite, a natureza masculina, mesmo a adolescente, é instável, e fui à descoberta.

Exibia-se The Sandpiper. O filme, embora assinado por Vincente Minnelli, não é extraordinário. Apenas veículo para a arrasadora paixão que Elizabeth Taylor e Richard Burton viviam na vida real. Já a vira, à menina Taylor, Cleópatra, mas não consegui ser romano suficiente para que me aquecesse mais do que arrefecesse. Agora, em The Sandpipper, numa praia californiana, Elizabeth era bastante menos do que a atriz de Cleópatra, era uma mulher.

Com a Natalie Wood de Rebel, que em Portugal se chamou Fúria de Viver, tive a ilusão de que uma namorada não poderia ter mais de 20 anos e era uma coisa de olhar nublado e sorriso melancólico que se instalava na nossa cabeça, mais precisamente no coração que temos na cabeça.

Ao ver a Taylor de The Sandpipper, em português chamado Adeus Ilusões, vi a avidez de viver do corpo sexuado de Taylor e senti esse “ser mulher” a injetar-se-me nas veias e nesse vagabundo coração que não direi onde é que, no corpo de um homem, se pode encontrar.

Elizabeth já tinha 33 anos, o que em meados dos anos 60, a fazia balzaquiana. A personagem dela era como ela, como o corpo dela, com redondas doçuras a testemunhar que aquela boca não se proibia nenhum prazer.

Era, no filme, uma artista livre, a viver isolada na praia (uma casa assombrosa e nada assombrada) e mãe solteira porque, como explicava: “Não fui abandonada pelo pai, foi o pai que foi abandonado por mim.

Título e Texto: Manuel S. Fonseca, in “Crónica de África”, Guerra & Paz Editores, 1ª edição: fevereiro de 2023, páginas 83 e 84 
Digitação: JP, 26-2-2023 

Não apreciei o estilo liquidificador de lembranças cinematográficas com a narrativa. 😒

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