Aparecido Raimundo de Souza
A primeira semana passou. Rápida e
rasteira. Veloz. Perdi alguns quilos. Fiquei depauperado, pior que a geladeira.
Parei no pronto socorro. Contudo, a imagem da minha querida e adorada amada,
continuou viva na minha cabeça. Decidi tentar uma segunda estratégia. Na semana
seguinte, me abstive de beber. Esqueci da nossa pequena adega no porão de casa.
Me olvidei dos vinhos que compramos juntos, e para me dar uma ajuda, por fora,
escondi num lugar secreto as taças que ficavam visíveis e penduradas no
barzinho da sala.
Nossos amigos das noitadas alegres
vieram e me chamaram para participar dos encontros no “Bar do Tonho”, um espaço
ameno no calçadão da praia, depois da volta do trabalho. Como sempre, eles
continuavam promovendo as rodadas de cerveja até que alguém saísse da
brincadeira pelo motivo de não aguentar mais segurar o copo ou ficar em pé e
fazer diante de todos o famoso quatro (4), sozinho, sem sair estabanadamente do
prumo. Recusei todos os convites. Cheguei a desligar o telefone e a campainha.
De fato, por estarem desligados, não deram sinais de vida.
Não me interessava estar com eles. Os amigos, às vezes, se tornam um porre. Aliás, com ninguém, notadamente quando pressentimos que o porre maior somos nós mesmos os causadores. Lado igual, não teria graça, se a mulher da minha vida não estivesse ao meu abraço, agarrada ao meu pescoço, ou de mãos dadas, como as outras garotas que acompanhavam seus pares. Ainda assim, infrutífera se tornou também mais esta investida. A minha princesa continuou mais viva, mais presente, mais pulsante, mais tenaz em meu coração. Acabei perdendo os amigos de fé. Me tornei uma espécie esquisita de “asqueroso-indesejável.” Um chute no saco, grosso modo falando.
O “Tonho”, proprietário do bar, me
segredou que a maioria dos meus, ou melhor, dos “nossos chegados”, passou a ver
em mim um molambo ambulante. Um roto vestido à rigor, como uma dessas almas
penadas que vagam por aí em busca de algo que não sabem exatamente o quê.
Todavia, teimoso e acaturrado, irascível e encanzinado, não desisti do
objetivo. Parti para uma terceira semana. Precisava ser forte e seguir em
frente. Desta, seria para valer. Ou vai, ou racha. Optei, num dos finais de semana
prolongado, me pôr de castigo, ou mais precisamente de joelhos, o focinho
virado para a parede, os pensamentos embaralhados, as mãos trêmulas.
Repeti os flagelos e as admoestações
das semanas anteriores. Não comi, não bebi, não falei com ninguém, não recebi
vivalma. Sequer um copo de água levei à boca. Enquanto estive como um Buda, de
costas para a porta principal, lobrigado ao castigo imposto a mim próprio,
procurei pensar em minha “alma-metade”. Rever tudo o que fizemos de bom e de
pernicioso. Foram oito anos de convivência à dois. Analisei profundamente os
dias em que vivemos grudados um no outro. Aproveitei e virei do avesso tudo que
construímos.
Igualmente trouxe à baila o que
destruímos. No final desta “via sacra”
inconsequente, cheguei a triste conclusão que mais destruímos que propriamente
edificamos. Apesar desses altos e baixos, dos desencontros, das
inconsequências, das brigas e rusgas, ficaram, claro, muitas coisas
inesquecíveis. E foi exatamente com elas, que aprendi lições importantes. Concluí,
por exemplo, rememorando às virtudes e defeitos, a lidar com a solidão, bem
como a conviver cotidianamente com a expiação e o açoite da saudade.
Aprendi, mais: que todos os que
desafiam os caminhos do amor, ou por eles se aventuram, como eu, às cegas,
acabam ficando fortes, cheios, interiormente, de uma força muito grande e
poderosa. Concluí que todos nós, a cada manhã, saímos de casa em busca de
coisas novas. E, por elas, subimos e descemos ruas, cruzamos por guetos e
ladeiras, atravessamos sinais, enfrentamos o vaivém do transito
desenfreado.
Vale tudo nesta luta desigual pelo
ponto nevrálgico que move a nossa vontade maior e nos impele a seguir aferrado
atrás do objetivo almejado: a busca pela felicidade plena, ou mais
objetivamente, onde ela se apresenta intocável, vulnerável, mansa e flexível,
porém, irmanada, lá no fundo, a um propósito só nosso. E é exatamente isto que
nos submete à peleja, à guerra acirrada e a não desistirmos, jamais de vivermos
cada minuto como se fosse o último. Na minha admonenda “ralhosa”, de olhos
cravados para a parede, como aluno insubordinado que aprontou todas, na hora do
recreio, descobri algo engraçado e interessante.
E o que seria mais engraçado e
interessante? Concluir de forma clara e concisa, que o mundo, apesar dos riscos
de se bater a qualquer momento, com os burros n’água, ou de se dar de frente,
com um abismo intransponível, o mundo (e dentro dele, a minha vidinha insossa,
de certa forma vazia e chata, por não ter a beldade dos meus sonhos ao alcance
das minhas fraquezas), me tem sido bem mais atraente e chamativo. Não foi
atraente e chamativo, confesso, ter perdido o meu emprego.
No meu castigo, concluí ainda o que
me parecia ser mais difícil de acreditar: no impossível. E o que isto quer
significar? Simples! O meu amor, ou o que eu acreditava ser o amor pela minha
metade da maçã, não é, e, em tempo algum, chegou a ser o centro do meu
universo. O emprego, então, nem se fala. Foda-se o emprego. O que conta, entre
tapas e beijos, mortos e feridos é a conclusão que despencou de algum lugar e
se postou diante da minha estupefatosa “abestalhação-grau-máximo”. EU SOU O
CENTRO DE MIM MESMO, DENTRO DE UM UNIVERSO QUE GIRA, GIRA, GIRA,
INCANSAVELMENTE AO MEU REDOR. O RESTO.... KI KI KI KI KI KI... O RESTO É
LITERATURA.
Título e Texto: Aparecido Raimundo
de Souza, da Lagoa Rodrigo de Freitas, no Rio de Janeiro. 28-7-2023
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