Aparecido Raimundo de Souza
Na sequência, você manda o convite. Ela, atordoada, aceita. Em contínuo, você conduz a beldade para conhecer o seu famoso apartamento. Ela sonha coisa mais sutil, tipo curtir um motel de primeira, desses caros de beira de estrada, com cama redonda, banheira de hidromassagem, sauna à vapor, TV a cabo, frigobar, teto solar para ver estrelas coladinho um no rabo do outro. Todavia, acaba se conformando diante da evidência de que não está vivendo um conto de fadas nem é uma Cinderela que perdeu um de seus sapatinhos de vidro e um príncipe encantado aparecerá, de repente, montado num pangaré para devolvê-lo.
Fora do aconchego das mesas, entra em cena outra historinha de natureza cômica. A do carro. Você sai com ela, a galera, em peso, juntada em deslumbres. É medido cada centímetro do corpo da figura, dos pés à cabeça. Sem se importar com essa bobeira, igual um Zé Mané, você passa de cabeça erguida, nariz empinado, sem dar confiança, arrastando pelo braço um violão de marca, ou melhor, um baita de um Boeing ultramoderno. Você nota, no fio da nuca, que todos sentem uma pontinha de inveja e ciúme. A maioria baba e fica de queixo caído, principalmente os coitados que se fazem acompanhar de uma chusma de tribufus imponentes.
Umas malvestidas que não deixam, nem por um momento (a feia mania, dos quinze minutos), ou seja, de levantarem os traseiros das cadeiras para irem até a toalete com a balela de retocarem as maquiagens. Na cabeça da desconhecida que você fisgou, passa um filme alinhado, sonante e superbonito. Ela supõe que vai se acomodar numa Mercedes, ou numa Lamborghini igual ao do Roberto Carlos. E você, chato de galochas, pobretão, continua em frente, caminhando entre os últimos tipos estacionados ao longo da alameda, um molho de chaves balançando na mão direita.
Pensando nessa ideia, uma vez mais ela se encolhe em seu descontentamento e se conforma com a tristeza lúgubre da situação. Vem, a galope, se aproximando, uma nova decepção. Uma espécie de tortura repulsiva que a contraria mais um pouco aborrecendo profundamente o seu coração. Você, do nada, estanca os passos ao lado (não só se inabilita seguir adiante, abre correndo a porta, como se fugisse de alguém) de um fusca – um fusquinha branco, inteiraço, mas um fusca. Um automóvel largado no distante, onde Judas perdeu as botas. Ficaria importuno e maçante, você sair de um lugar tão bem frequentado com uma deusa à tira colo e se aboletar dentro de um fusca:
“— Dos males o pior” – tenta se confortar a si mesma a inimitável dondoca –, enquanto opta por abrir a janela do carona. Fica na tentativa somente. O mecanismo que abaixa e suspende o vidro, faz tempo, emperrou e você não teve dinheiro para mandar consertar: “— No apartamento deve ser um pouco melhor” – conclui, a vestal, esperançosa –, olhando para os lados, como uma criança enlouquecida diante de um brinquedo quebrado. Ledo engano! No que você rotulou de apê, quase a deidade tem um piripaque junto com um ataque de histeria. Pensa em gritar. Sente uma necessidade quase sexual de berrar, de vociferar à plenos pulmões, mas acha que, se o fizer, seu companheiro que conhecera a menos de três horas, poderá perder a linha e lhe aplicar uns belos tabefes em meio às fuças.
Não seria para menos, se tivesse um faniquito. Na sala, logo ao colocar os pés, se depara com um amontoado de roupas empilhadas sobre o assento da única peça existente: um sofá de três lugares. Pelo chão, sapatos, meias, lenços, cuecas e camisas. Dá uma geral. A cozinha não fica divorciada do barbarismo horripilante. Captura pratos sujos ocupando toda a extensão da pia inox, juntamente com panelas e restos de comidas. Baratas e moscas, aqui e ali, fazem à festa. O banheiro causa nojo. Provoca asco e repugnância. O vaso sanitário totalmente entupido. Para variar, a cordinha da água rebentada e a tampa não vedando a fedentina que exala de dentro dele.
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Greta de varredura
No rebordo da cratera
Em consignação
Café e simpatia
Lâmpada milagrosa
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