terça-feira, 25 de julho de 2023

[Aparecido rasga o verbo] Detalhezinho

Aparecido Raimundo de Souza

OS DOIS AMIGOS
se encontram na birosca do bairro onde moram. Sentam, pedem uma gelada. O papo começa.
Tapado:
— Soube que você dispensou a Sandra Gegê. Ficou maluco?
Imbecil:
— Não.
Tapado:
— Posso ao menos saber qual o motivo?
Imbecil:
— Esquece. Fica chato comentar sobre a “mina” aqui aonde a gente mora. Depois pode dar buchicho. Sem contar que a “pessoa” é nossa vizinha.
Tapado:
— Qual o quê! A nossa conversa não sairá daqui.

Imbecil:
— As paredes têm ouvidos. E olhos também.
Tapado:
— Fala sério!
Imbecil:
— Fiquei sabendo que algumas paredes são tão espertas que, além dos ouvidos e dos olhos, dispõem de boca e nariz, como se fossem a extensão dos seres humanos, ou seja, certas paredes, principalmente as de lajotas, cheiram a coisa e depois saem fofocando.
Tapado cai na gargalhada. Por um triz não derruba os copos.
Imbecil:
— Está rindo de quê?

Tapado:
— Da sua comparação em relação às paredes. Você deveria ser comediante. Com amizade à Sandra Gegê, acho que você pirou de vez. Por tudo quanto é mais sagrado. Deixar um avião daqueles. Puts! Eu não dou uma sorte dessas. Ah, se fosse comigo!...
Imbecil:
— O que você faria?
Tapado:
— Como, o que eu faria? Pô, meu! Está me tirando?
Imbecil:
— Não seja por isso. Sua oportunidade chegou. A beldade agora está livre e solta.
Tapado:
— Então me “bate a pala”.

Imbecil:
— Bate o quê?
Tapado
— A pala!
Imbecil:
— Que história de pala é essa?
Tapado:
— O mesmo que fita, ou doideira, seu burro. Bate para mim, me de a página da cartilha, mostre o conteúdo da treta.
Imbecil:
— Ummmm!...

Tapado:
— Vejo que você não tem nada na cabeça. Só vento. Não saber qual o significado de pala.
Imbecil:
— Saber ou não saber, não importa. Vamos esquecer a Sandra. Melhor.
Tapado:
— Então deixa adivinhar. Você ficou um mês com ela. Curtiu, passeou, foi, voltou... e comeu. Não comeu?
Imbecil:
— Me pareço com um canibal? Até onde sei, ela está inteira.
Tapado:
— Palhaço. Faço referência a ter chegado junto. Partido para o “vamos ver”.

Imbecil:
— Não. Não cheguei a esse ponto. Não vi nada.
Tapado:
— Nadinha, nadinha?
Imbecil:
— Nadinha, nadinha.
Tapado:
— Vai querer me dar diploma de otário? Leia aqui na minha testa: está escrito que sou trouxa? Um mulherão daqueles, com um pandeiro todo nos trinques e você não deu nenhum tapinha?
Imbecil:
— Pandeiro? Que pandeiro?

Tapado:
— Traseiro, cauda, cofrinho...
Imbecil:
— Em outras palavras: bunda?
Tapado:
— Claro, seu filho de uma égua. Bunda.
Imbecil:
— Sinceramente? Não me apeteceu manter algo mais sério com ela. Apesar da bunda, ou como você colocou: pandeiro. O melhor, sem duvida, foi a decisão que tomei: mandei catar coquinho.
Tapado se põe a remedar, na gozação, o amigo:
— “Não me apeteceu. O melhor, sem dúvida, foi a decisão que tomei: mandei catar coquinho”. Conta para o seu amigo aqui. O que houve, entre vocês, afinal?

Imbecil:
— Não houve absolutamente nada. Sabe o que eu gostaria de fazer agora? Mudar o rumo desta prosa. Não quero mais falar no assunto. Caso encerrado.
Tapado:
— Ao menos pela nossa amizade, me dá o caminho das pedras...
Imbecil:
— Desista. Não existe nenhum caminho das pedras. Aliás, você não disse que iria adivinhar? Vá em frente!
Tapado:
— Ela não faz o melhor?
Imbecil:
— Melhor?
Tapado:
— É. Barba, cabelo, bigode?
Imbecil:
— Isto eu não posso precisar. Nem sabia que ela tinha barbearia.

Tapado desfere um potente soco na mesa. Derruba os copos e a garrafa que se estilhaçam de encontro ao chão de cimento. O dono da birosca vem lá de dentro com ares de poucos amigos.
Seu Chiado, irritado:
— Podem me explicar o que foi isto?
Imbecil:
— Não se preocupe seu Chiado. Eu arco com o prejuízo. Aproveita e providencia outra “ceva” para nós, no capricho.
Seu Chiado:
— Pois então paguem primeiro o prejuízo e a cerveja que eu servi. Assim evitaremos problemas.
Os dois amigos metem as mãos nos bolsos ao mesmo tempo.

Imbecil:
— Esta é minha. Você patrocina a próxima.
Tapado:
— Fechado.
Nova garrafa e copos são colocados à disposição dos amigos.
Tapado:
— Vamos em frente. Ela por acaso é “fria”?
Imbecil:
— Não.
Tapado:
— Se atropela com o microfone?
Imbecil:
— Passou longe...

Tapado:
— Então concluo que você, de fato, deu o microfone para ela cantar?
Imbecil:
— Você é quem está dizendo. Eu não confirmo nada. Nem sabia que ela cantava...
Tapado:
— Ah, já sei: ela não lava direito a perseguida. Com isso, as partes íntimas, fedem a bacalhau?
Imbecil:
— Esquece.
Tapado:
— É larga? Tem estrias? Morde a fronha, assovia em hora imprópria?
Imbecil:
— Tapado, pelo amor de Deus, vamos falar de outra coisa?
Tapado:
— Então abre o jogo.

Imbecil:
— Se eu falar você me deixa em paz?
Tapado:
— Deixo. Juro.
Imbecil:
— Jura, de verdade?
Tapado:
— Eu juro!
Imbecil:
— Não vale. Fique de joelhos.
Tapado:
— Aqui?
Imbecil:
— Onde mais, seu Mané?

Tapado:
— O que a galera ao nosso lado pensará?
Imbecil:
— Só estamos eu, você, o Seu Chiado, dono do bar. Olhe em volta... lá nos fundos, dois pinguços grudados na mesma perna da mesa.
Tapado:
— Verdade. Estou olhando... só nós e os dois pinguços...
Imbecil:
— Então. É pegar ou largar.
Tapado:
— Está legal.
Tapado meio sem jeito e completamente envergonhado se ajoelha diante do amigo.
Tapado:
— Prometo.

Imbecil:
— De novo.
Tapado:
— Eu prometo.
Tapado se levanta correndo e volta a se sentar.
Tapado:
— Agora dê o serviço. Por que dispensou aquela gostosa, saborosa e igualmente deliciosa visão do paraíso?
Imbecil:
— Por um detalhezinho muito simples.
Tapado:
— Um detalhezinho? Que detalhezinho? Fala logo. Canta a pedra.
Imbecil:
— Ela tem pelos na churréia.

Título e Texto: Aparecido Raimundo de Souza, da Lagoa Rodrigo de Freitas, no Rio de Janeiro. 25-7-2023

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