terça-feira, 4 de julho de 2023

[Aparecido rasga o verbo] No rebordo da cratera

Aparecido Raimundo de Souza

O QUE A MULHER tem que a torna tão forte e sedutora? O que a faz infinitamente bela e angelical? Seria o sorriso descontraído, o rostinho engraçado?  Talvez a postura de rainha, o ar de princesa, ou por outra, o andar elegante de uma deusa divinizada? Há quem afirme serem os cabelos a caírem em longos cachos sobre os ombros os responsáveis por tudo. Podem ser outras particularidades que formam um conjunto único, como, por exemplo, o modo de se vestirem, os sapatos que calçam, ou o ir e vir cadenciado bolinando o tempo todo com a nossa masculinidade. Outros apontam o jeito meticuloso como falam e expõem as suas fraquezas mais prementes. As tais “fragilidades” que todos sabemos, não existem. A mulher, num contexto geral, não é um objeto frágil.  

Uma terceira corrente encabeçada pelo Erasmo Carlos, aposta incondicionalmente no belo oposto e vai fundo nessa teoria afirmando, de dedinhos cruzados, que a mulher, por si só, reúne um conjunto de várias excelências e que somente um ser tão angelical e especial evidentemente abençoado pelo Criador, poderia ser a portadora de missões  especiais, com destaque para o dom de gerar  um filho, de carregar no ventre uma criança por nove longos meses e depois desse tempo, perpetuar a vida plantando uma semente, regando a plantinha e formando uma família. Apesar disso tudo, não me conformo. 

Nem me dou por satisfeito. Quero saber mais. Desvendar o inexplicável, como por exemplo, atinar com o que a torna tão submissa, dócil, humilde, e ao mesmo tempo tão dona de si e da situação. Seria o calor que emana do seu âmago e sai e se espalha por todos os lados, como o vapor de uma sauna que nos queima os ossos? Seria o modo como consegue amar e se entregar aos prazeres dos lençóis branquinhos; a febre ardente da carne sem perder a consciência ou o fiozinho tênue da razão? O que a faz meiga, conformada, resignada e cativante que nos põe nos chinelos? 

O que move a linha do seu pensamento de forma tão segura que ficamos, por mais inteligentes e astutos, com a cara no chão, boquiabertos, sem saída, pasmos e de queixo caído? O que a mulher tem de especial que seduz, que inebria, que encanta, que tira o sossego, que rouba a paz, que altera a tranquilidade, e faz o nosso espírito, de repente, sair do sério, e no minuto seguinte, estancar, vencido, domado, à beira de um ataque de nervos? No mesmo pensar, o que faz a mulher ser a dona absoluta do lar, se transformar, da noite para o dia, na rainha de nossas vidas, tomar o posto de senhora absoluta do destino, e como tal, guiar nossos momentos de solidão e debilidade como se fossem cordas de marionetes? 

O quê? – Alguém, por favor, responda: o que a mulher guarda de tão importante dentro do seu silêncio? De onde prospera à força pujante e arrebatadora que a impulsiona a seguir em frente; a sair para a luta de cabeça erguida; de brigar acirradamente por dias melhores; de disputar vagas numa fila enorme de empregos; de discutir salários justos; de pugnar por dias melhores e posições de destaque no seio da sociedade? Pelo amor de Cristo: de onde nasce o calor humano e a eloquência que nos transmitem? De onde vem o perfume das mãos, a macieza da pele; a frescura da libertinagem e a superioridade em construir ou destruir apenas com uma simples direção do olhar a vida inteira de um homem?  

De onde brota esse enigma que predomina, que nos faz mudar para melhor; ou para pior; que nos levanta ou nos derruba; que nos coloca no céu ou nos atira; incontinenti; no meio do caldeirão do inferno? De onde vinga essa força geradora de vontades ilimitadas que não termina, que se renova a cada novo segundo e que alimenta o ego?  De onde, de que cantinho oculto sai a decisão das palavras sábias; o encanto de predizer futuros; de amarrar bem amarrado; com laços fortes os nossos corações à severidade de nos deixarem cativos da sua própria insensatez? Os entendidos no belo sexo dizem que a mulher tem uma missão ímpar e imensurável. 

Estudiosos apostam num dom extraterreno. Pelo sim, pelo não, o que move a mulher e a torna insubstituível é a “caixinha de segredos”, sabiamente colocada pelo Senhor de todas as coisas, num lugar intocável. Se ela resolve abrir para o bem, tudo está nos conformes. Todavia, se o faz para o lado do travesso, pessoas brigam; se esfolam; se digladiam; se matam. A “caixinha de segredos” é a fonte geradora de tudo – a ponte entre o conhecido e o desconhecido. A porta secreta que leva o pescoço do sujeito direto para a forca, ou para dias de glória e plena ascensão. A força da mulher tem vários nomes, cognomes, apelidos e alcunhas, mas todos eles descambam num só lugar. 

E que lugar seria?! Pois bem, eu digo. Esse lugar é aquele que nos direciona ao ponto mais equidistante entre as duas pernas da amante amada. A gruta encantada, que nos cega os olhos, que nos faz ver estrelas em pleno meio dia de sol à pino. A mesma abertura que nos deixa à beira de uma insanidade por vezes incurável. O portão chaveado, onde, ao ser aberto, nos envolve num jardim de mil delicias. Em igual norte, nos avassala a paixão e nos promove da tristeza melancólica ao estado da graça e prazeres irrefreáveis. Falo, obviamente, da fonte do prazer maior, onde a libido se faz grandiosa e envolvente, às raias de nos fazer perder a seriedade, o juízo, o bom senso e tudo mais que conhecemos como faculdade de discernir o certo e o errado, e o “mais mau”, sem atinarmos com a hora exata de darmos um basta, de nos vestirmos de posturas e saltarmos às carreiras. 

Através dessa fenda, ou do ponto de partida da força centrífuga, descobrimos que no interior dela dorme sossegada, e, ao mesmo tempo espavorida, a passarinha, a pomba da paz, a ave quietinha da felicidade. Mesmo norte, é através dela que vemos chegar a abelhinha em busca do mel, a rosa se transformando em botão majestoso. Também nesse encantado recanto, sentimos fluir o esguicho do bicho papão entrelaçado de uma loucura que se irmana à irrigação avassaladora do corpo dela, a fêmea amada até que, num dando momento, tudo explode numa exsudação indescritível e imensurável, como se estivéssemos dançando debaixo de uma chuva torrencial sem nos importarmos com as trovoadas e os relâmpagos advindos do mais alto céu.  

Devemos lembrar (se tivermos tempo e cabeça) que por esta mesma senda, o urubu agourento ronda a carniça, o pau come solto, e, no desleixado dos mundos, o tinhoso se faz presente, e pode ser visto com os olhos vermelhos propagando o mal. Todo cuidado é pouco. Se não soubermos a hora de pararmos, de darmos meia volta, de arregalarmos os bugalhos e pegarmos o retorno, a nossa idiotia se manifestará desembestada e poderá nos levar e experimentar às piores desgraças, notadamente quando a extravagância desatinada e fora de si, divorciada de tudo o que é considerado normal e seguro, resolver deixar ao deus-dará a nossa sobriedade ao acaso de uma paranoia literalmente incurável. Se a coisa gostosa chegar a esse ponto, virar “caixinha de pandora”, salve-se a si mesmo enquanto puder. Entretanto, antes de ganhar a liberdade, se farte, se sacie.  COMA.     

Título e Texto: Aparecido Raimundo de Souza, da Lagoa Rodrigo de Freitas, no Rio de Janeiro. 4-7-2023

Anteriores: 
Em consignação 
Café e simpatia 
Lâmpada milagrosa 
Zona de impacto 
Croniquinhas que entram pelos olhos e saem pelos ouvidos 

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Não publicamos comentários de anônimos/desconhecidos.

Por favor, se optar por "Anônimo", escreva o seu nome no final do comentário.

Não use CAIXA ALTA, (Não grite!), isto é, não escreva tudo em maiúsculas, escreva normalmente. Obrigado pela sua participação!
Volte sempre!
Abraços./-