Neste país onde já não se pode fazer afirmações – mesmo privadamente, em grupos reservados – que em outros lugares seriam o puro e simples exercício da liberdade de expressão, agora até mesmo o ato de seguir o político “errado” em uma rede social pode gerar problemas futuros. É a mensagem que a Procuradoria-Geral da República acaba de enviar com um pedido que viola a garantia constitucional da privacidade de dezenas de milhões de brasileiros, sendo ao mesmo tempo absurdo, autoritário, desproporcional e... inútil – isso a julgar pelas palavras da própria PGR.
O subprocurador-geral da
República Carlos Frederico Santos pediu ao ministro Alexandre de Moraes, do
Supremo Tribunal Federal, que determine o envio, por parte das empresas de mídias
sociais, de uma “lista completa com os nomes e dados de identificação dos
seguidores de Jair Messias Bolsonaro”. Segundo informações fornecidas pelo
próprio subprocurador em seu pedido, o ex-presidente da República tem 15
milhões de seguidores no Facebook, 25,3 milhões no Instagram, 11,4 milhões no
Twitter, 6,47 milhões no YouTube, 5,5 milhões no TikTok e 426 mil no LinkedIn.
E para quê tudo isso? Era de se esperar que Santos fosse capaz de explicar, de
forma bastante convincente, como a posse de tamanha base de dados pudesse
auxiliar em alguma investigação de crimes concretos. No entanto, nem o
subprocurador conseguiu o efeito, tampouco a PGR foi capaz de fazê-lo, em nota
divulgada após a repercussão negativa do pedido.
Se
a PGR é incapaz de explicar com clareza como o envio desses dados ajudará a
investigação, não existe nenhum motivo para que o STF autorize uma violação
massiva da privacidade de inúmeras pessoas que não são investigadas por nada
Em bom português, até mesmo no caso de Bolsonaro parece estar em curso o que se chama de “pesca probatória”, prática abusiva em que os investigadores recolhem todo o material que puderem, sem saberem ao certo nem mesmo o que pretendem encontrar, mas convictos de que haverá algo que mereça sua atenção. Se é assim com o verdadeiro investigado, o que dizer da intenção de lançar a rede para pegar um cardume de dezenas de milhões de brasileiros, simplesmente porque curtem, seguem ou acompanham o ex-presidente, às vezes por razões meramente profissionais, sem que haja afinidade com a pessoa ou as ideias de Bolsonaro? Uma vez que a PGR é incapaz de explicar com clareza como o envio desses dados ajudará a investigação, não existe nenhum motivo para que Moraes autorize uma violação massiva da privacidade de inúmeras pessoas que não são investigadas por nada.
Título e Texto: Editorial, Gazeta do Povo, 18-7-2023, 19h37
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