domingo, 23 de julho de 2023

[As danações de Carina] Meu grito por todos os autores fantasmas

Carina Bratt

ONTEM PASSEI pela livraria Travessa na Visconde de Pirajá, aqui em Ipanema, e topei com alguns livros jogados numa estante bem lá nos fundos, à preços módicos. Melhor dito, no bom português: a preços de bananas. Enquanto os ‘empacotados’ vindos de fora nos arrancam os olhos da cara, os autores brasileiros que deveriam estar em destaque, sequer são lembrados.

Em contrário, ficam jogados num canto escondido, às garras do total esquecimento. O mais caro, numa caixa cheia de poeira, ostentava o preço de R$ 5 reais. Comprei dois, e um de R$ 1.50. O de RS 1.50 fora escrito por David Rodrigues da Rocha. Vejam que belas palavras:

A poesia escorregou pela borda do livro
E inundou a noite vazia 
Com seus versos que já eram meus
E as palavras que já me esperavam.
E assim foram despejando Vinícius e sonetos métricos
Kafka vestido de preto bem ao lado de Quintana,
Saramago discutindo política com Amado,
Pessoa conversando com seus heterônimos,
E literatura jorrando para tudo que é lado.
Ainda tinha Leminski com seu bigode engraçado
Brás Cubas trazendo um emplastro
E ao lado Augusto dos Anjos meio calado...

(Uma gota de poesia correu pela lombada até a etiqueta de classificação).

Logo vejo Lucinha, Meireles, Drummond, Machado
E ainda há espaços para tantos que
Ora me acompanha pela mão,
Até que o livro seja novamente aberto
Para que eles entrem pela minha alma a dentro
E brinquem com meus sonhos’’.

(‘Imperfeições’ - 1ª edição 2011 sem maiores informações em face das capas rasgadas).

O outro de Maria Helena Teixeira de Siqueira, "A céu aberto".

‘Os pardais 
limpam as lagartas do arroz.
Cobram sem grãos’.

‘Vassoura do tempo
varre a noite ao rés-do-chão.
Brisa outonal’.

‘Palavras intrusas
no coração da memória.
Resguardam segredos’.

‘Baú de sonhos
o passado matreiro libera.
Só para incomodar’’.

(‘A céu aberto’, faltando um bocado de folhas e as principais informações).

Pincei também um opúsculo de setenta folhas, com mil ditados e expressões populares de Jorge Perciano de Oliveira (Jotapeó). Título: ‘Não inflói nem contribói – Mas Diverte Muito’.

Eis alguns.

Sobre AMIGO:

‘Ao amigo, misericórdia; ao inimigo, o rigor da lei’.
‘Eles são unha e carne’,
‘Faz vistas grossas’.
‘Mulher de amigo meu é homem’.

Sobre o AMOR:

‘A noite é uma criança’.
‘Até que a morte os separe’’.

Sobre DUPLO SENTIDO:

‘Fé demais não cheira bem’.
‘Foi assim que Napoleão perdeu a guerra’’.

Sobre FAMÍLIA:

‘O bom filho à casa torna’.
‘É prata da casa’.
‘O cavaco não cai longe do pau’’.

Sobre HOMEM:

‘Aqui quem canta de galo sou eu’.
‘Não sou rei, mas gosto de ‘coroa’’.

Sobre SACRIFÍCIO:

‘Ainda vai dar muito pano pra manga’.
‘Comendo o pão que o diabo amassou’’.

Fico me questionando o motivo de certos escritores sequer serem lembrados. Quais os reais motivos de seguirem escondidos e sem chances de trazerem à público o melhor de seus talentos? Em linha paralela, lá na porta, nos atropelando os passos, Stephen King, J. K. Rowling, George Orwell, John Green, Ernest Hemingway, Edgar Allan Poe, Miguel de Cervantes, Charles Dickens e etc, etc, etc. Parodiando as ‘Imperfeições’ de David Rocha, elas também fazem parte do nosso cotidiano cultural.

Seria de excelente sentido, se todos tivessem a mesma oportunidade. Existem autores, escritores e poetas, que nos tiram o fôlego... nos fazem viajar... entretanto, apesar dos pesares... fica aqui a minha antipatia, o meu repúdio, a minha raiva extensiva a todos esses donos de livrarias existentes Brasil à fora.

Título e Texto: Carina Bratt, da Lagoa Rodrigo de Freitas, no Rio de Janeiro, 23-7-2023

Relacionados: 

Anteriores: 

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Não publicamos comentários de anônimos/desconhecidos.

Por favor, se optar por "Anônimo", escreva o seu nome no final do comentário.

Não use CAIXA ALTA, (Não grite!), isto é, não escreva tudo em maiúsculas, escreva normalmente. Obrigado pela sua participação!
Volte sempre!
Abraços./-