Vítor Ilharco
A Comissão Parlamentar de
Inquérito à TAP reuniu, durante centenas de horas, ouvindo inúmeras pessoas
para tentar saber, fundamentalmente, se a atribuição de uma indemnização de
meio milhão de euros a uma administradora, que passados uns dias já trabalhava
noutra empresa, da mesma Tutela, era legítima.
Tivessem perguntado aos
catraios de uma qualquer escola primária, e teriam a resposta em segundos:
“Não!”
Só que o Parlamento é, sobretudo, uma Feira de Vaidades e quando chega às narinas daqueles deputados o cheiro a sangue… nada os faz parar.
Pedro Nuno Santos, ex-ministro das Infraestruturas e da Habitação |
Necessário era fazer cair, no
descrédito total, toda a estrutura governativa da área em análise.
Nem que se tivesse de inquirir
sobre factos para além do que estava estabelecido.
Ainda assim, houve diferenças
entre os Juízes dos nossos Tribunais e os Deputados da Comissão de Inquérito?
Desde logo, os primeiros têm
legitimidade para interrogar os arguidos sobre (quase) todos os factos, ao
contrário dos Deputados.
Depois, os Juízes só devem
preocupar-se com a verdade enquanto os Deputados se preocupam com a “verdade”
que mais favorável seja para o seu Partido.
Finalmente, os Juízes
interrogam (na imensa maioria das vezes) num tom sereno, educado,
profissional.
Já na Comissão de Inquérito houve interrogatórios feitos com sobranceria, arrogância, desdém, apartes mal-educados, por parte de Deputados interessados em mostrar quem era o mais agressivo, o mais contundente o mais temível.
Mais importante que fazer com
que o interrogado caísse em descrédito era levar o cidadão espectador a admirar
a sua coragem no enfrentar os representantes do Poder.
A tentativa infantil de
mostrar que se conheciam os dossiers era outra imagem de marca destes
inquiridores.
“O Senhor diz que isso
aconteceu às 21h30 mas parece que há provas de que foi às 21h25. O que tem a
dizer sobre isto?”
Perguntas só possíveis a quem
desconhece que o pior que pode acontecer a um político é ele cair no ridículo.
Semanas com o mesmo tipo de
perguntas, com a agressividade a subir de tom, começaram a cansar quem, de
início, apoiava a Comissão.
Até que esta se tornou
insuportável.
Na memória de quem assistia só ficava a repetição das mesmas perguntas, os insultos constantes aos interrogados, o ar professoral, ou de gozo, dos interrogadores.
João Galamba, ministro das Infraestruturas |
Não foi admiração quando o tom
de crítica generalizada, a quem era alvo de inquérito, passou a alguma
compreensão e, mesmo, simpatia.
Chegámos a um ponto em que o Primeiro-Ministro,
para sair vencedor de todas as lutas que tem que travar com estes
oposicionistas, só tem que ficar quieto à espera que eles se destruam uns aos
outros.
O relatório preliminar da
Comissão mostra isto mesmo à evidência.
Desde logo porque garante
que, “o Governo não interferiu na gestão da TAP”, “não
sabia do valor da indemnização paga à sua administradora”, “não
se conseguiu provar, por falta de evidências, que o Ministério das Finanças
sabia da indemnização”.
Depois, porque optou por não
fazer considerações sobre o caso ocorrido no gabinete do Ministro João Galamba.
Finalmente, não teve em conta
inúmeras horas de debate na Comissão porque os assuntos abordados não estavam
no âmbito desta.
Ou seja, o Relatório final –
redigido, como se sabia que iria acontecer, por uma Senhora Deputada do Partido
Socialista – está longe de ser tão crítico para o Governo como a Oposição
esperava e, em parte, compreende-se a fúria dos seus Deputados.
Todavia são eles os grandes
culpados deste fracasso e dos efeitos secundários por ele provocado.
Ao pretenderem extravasar as
suas funções, ao quererem fazer um julgamento em praça pública em vez de um
inquérito, ao quererem aparecer como grandes paladinos da Verdade, da Justiça,
da Honra, esqueceram-se de olhar para baixo e verem a quantidade de pés de
barro que os espectadores tão bem conhecem há tantos anos.
Pobres diabos!
Título e Texto: Vítor Ilharco, Secretário-geral da APAR – Associação Portuguesa de Apoio ao Recluso, Página UM, 8-7-2023
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