Advogado dos barqueiros argumenta que lei estadual considera as comunidades de pescadores como patrimônio cultural, histórico e imaterial fluminense e de especial interesse social
Patricia Lima
Há anos no local, os barqueiros que ficam no Quadrado da Urca receberam ordem de “desocupação total” do local em uma notificação da Secretaria Municipal de Ordem Pública (Seop), na última segunda-feira (7).
Foto: Analice Paron/O Globo |
O documento fala ainda
em “demolição” das caixas de fornecimento de energia elétrica
e água potável, além da retirada dos ganchos para a atracação dos barcos.
Segundo a Seop, as medidas foram tomadas com base no fato de a amurada da Urca
ser um bem tombado, e as alterações realizadas pelos barqueiros representarem
irregularidades.
Pescadores e donos de barcos
atracados no local receberam o comunicado com muita apreensão. A região integra
a Colônia da Z-13, com sede no Posto Seis, em Copacabana.
O fotógrafo e dono de
barco, Tasso Marcelo, disse ao jornal O Globo que
as contas de água e luz estão regulares e todas pagas. Tasso disse ainda que o
Quadrado da Urca é um ponto turístico de grande importância, inclusive para
artistas, que retratam o local em fotografias e pinturas.
“O Quadrado da Urca é um ponto turístico. Tem gente que vai lá para pintar quadros; é um local de aulas de fotografia. O colorido dos barcos chama muito a atenção. Fomos pegos de surpresa. São mais de cem famílias que dependem daquilo ali. Ainda tem as pessoas que lucram vendendo gelo, iscas e lanches para a gente”, disse o fotógrafo ao jornal.
O grupo constituiu um advogado
para reverter a decisão. Jorge Ecir S. Soares afirmou ao Globo
que a Seop agiu sob a influência de uma ação do Ministério Público do
Rio (MPRJ) que obriga a Prefeitura a recuperar os
bens tombados da cidade, sendo que as autoridades envolvidas não atentaram para
o fato de que a arquibancada do Quadrado, onde ficam as caixas de água e luz e
os ganchos dos barcos, não é tombada.
“O Quadrado é formado por
três partes, piscina, arquibancada e amurada, e o tombamento é apenas na parte
da amurada. Essa piscina foi construída para os Jogos Sul-Americanos de 1922, e
em seguida transformou-se em um ancorador de barcos de pesca, fazendo parte da
colônia de pescadores”, explicou o advogado, acrescentando que o
tombamento aconteceu muitos anos depois do local já ser usado como ancorador de
barcos. Jorge Soares lembra da lei estadual 7.790, de 28 de
novembro de 2017, que confere um caráter especial às comunidades de pescadores:
“A lei declara como
patrimônio cultural, histórico e imaterial do Estado do Rio de Janeiro, e
consideradas de especial interesse social, as comunidades de pescadores,
inclusive aquelas localizadas em unidades de conservação da natureza. Em razão
disso é proibida a remoção ou remanejamento das comunidades de pescadores,” pontuou
Soares, que entregou uma petição e vai acionar a Vara Federal para
que os mais de cem barcos não sejam retirados do Quadrado.
“A principal questão para o
MPRJ são as caixas de concreto que guardam os pontos de água e de luz, e, os
ganchos em que prendemos os barcos. Por incrível que pareça, os barqueiros
nunca foram notificados para nada, nem sabiam desta obrigação ou reclamação e
poderiam, há muito, ter ajudado (a resolver a situação), se soubessem. A ação
movida pelo MPRJ dizia que as ligações de água e luz eram clandestinas, mas não
são e nunca foram. As contas sempre foram pagas. As ligações foram feitas pelas
próprias concessionárias”, explicou o advogado.
Jorge Soares ressaltou que os
barqueiros querem resolver a situação, mesmo que isso implique na interrupção
do fornecimento de água e de luz. Segundo o advogado, os barqueiros se
comprometem a ajudar na retirada das caixas de concreto e dos grampos que prendem
as embarcações na arquibancada. Soares observou, no entanto, que ainda não
existe uma ordem judicial determinando a retirada dos profissionais, além de
questionar qual será o destino dos barcos.
“Se fizermos assim, a
obrigação da prefeitura será rapidamente cumprida; só restará a obra de
recuperação, emboço e pintura da amurada, o que realmente precisa ser feito. O
mais importante é que a ação judicial em momento algum determinou a retirada
dos barcos, e será de grande ajuda se eles entenderem isso. O MPRJ
está cobrando, erroneamente, mais de R$ 26 milhões em multas diárias pelo fato
de a prefeitura estar atrasada com a obra. Mas o prazo está sendo contado de
forma errada. O atraso é de poucos meses e por culpa da Light e da Águas do
Rio, que não cortaram o fornecimento de luz e água, e, também não poderiam,
porque é tudo legalizado. A grande questão, portanto, foi a falta de
comunicação com a comunidade pesqueira, justamente talvez a maior interessada,
que não foi comunicada de nada e tem o maior interesse em ajudar”, comentou
o representante dos barqueiros do Quadrado da Urca.
O jornal O Globo procurou a
Seop, que informou que o processo está em análise e que tomará as providências
cabíveis quando necessário.
Procurada, a Águas do
Rio confirmou a existência e regularidade das ligações de água no
local. A concessionária disse ao Globo que está verificando se há solicitação
para a interrupção do fornecimento de água.
A Light e o Ministério Público
também foram procurados pelo jornal, mas não responderam às solicitações.
Título e Texto: Patricia
Lima, Diário do Rio, 11-10-2024
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Não publicamos comentários de anônimos/desconhecidos.
Por favor, se optar por "Anônimo", escreva o seu nome no final do comentário.
Não use CAIXA ALTA, (Não grite!), isto é, não escreva tudo em maiúsculas, escreva normalmente. Obrigado pela sua participação!
Volte sempre!
Abraços./-