António Ribeiro Ferreira
O ano de 2011 acaba hoje e a
grande maioria dos portugueses olha para 2012 como um ano terrível cheio de
horrores e tragédias. É natural. A cura já está a ser violenta, dura, e muitos
doentes não vão resistir ao tratamento previsto para os próximos 12 meses. Não
há dinheiro para tanto antibiótico. É preciso poupar, reduzir as dívidas do
passado e obrigar o Estado, as empresas e as pessoas a gastar menos e a viver
com menos dinheiro. Já se sabe que as queixas vão ser muitas, os protestos
variados e provavelmente alguns terão muita razão. Mas não há alternativas. Os
transportes públicos serão reduzidos, os preços subirão e muitos trabalhadores
irão parar ao desemprego. É natural que protestem, mas não há outro remédio. Os
hospitais-empresa e os outros não podem continuar a acumular dívidas, a pregar
calotes sucessivos aos fornecedores e a contratar pessoal com salários
elevados. Têm, necessariamente, de poupar, mesmo que a poupança afecte a saúde
das populações. A racionalização do Serviço Nacional de Saúde já começou. A
ideia de uma saúde gratuita e de excelência já deu o que tinha a dar. O SNS em
Portugal tem de ser adaptado ao país que temos, isto é, à riqueza produzida
todos os anos. Não há lugar para mais ilusões, fantasias e sonhos. A
dependência do crédito fácil, barato e maravilhoso conduziu o país e as pessoas
a esta terrível situação. Como é habitual em todos os vícios, seja a droga,
seja o álcool, o tabaco ou o jogo, a ressaca é dolorosa e nem sempre leva à
cura do viciado. Depende da vontade, da força e da esperança de uma vida melhor
e mais responsável. Muitas pessoas e muitas empresas não vão resistir à
ressaca. Não vale a pena vender ilusões. Muitos ficarão pelo caminho. Mas os
outros, os que resistirem, têm a certeza que o futuro pode ser construído em
bases sólidas e não em cima de castelos de areia. É por isso que as reformas
que aí vêm no trabalho, nas rendas, na justiça, na Segurança Social e no Estado
não podem ser tímidas, feitas por gente com medo de descontentamentos,
protestos ou mesmo violentas contestações sociais. Não há lugar para recuos,
hesitações, medidas dúbias para agradar a gregos e a troianos. É preciso
determinação e coragem. É preciso clarividência para explicar às pessoas que
não há outro caminho, que muitos vão ficar sem os direitos adquiridos ao longo
de muitos anos e que o Estado não tem dinheiro para socorrer todos os que vão
ser atingidos em cheio pela crise e pelos remédios necessários para a
ultrapassar o mais rapidamente possível. É preciso dizer a verdade e não esconder
as muitas tragédias provocadas por esta aterragem de emergência de uma nave que
andou em altos voos sem tripulação à altura e sem dinheiro para pagar o
combustível. Os resistentes, os mais fortes, os que aguentarem estoicamente
esta violenta ressaca, também devem saber que o futuro não será necessariamente
melhor, não depende apenas do seu esforço e da sua vontade. Mas também devem
saber que sem isso não há solidariedade europeia e internacional que os salve.
O mundo mudou e muito. E 2012 vai ser o primeiro ano de uma nova era em todo o
planeta. Nada será como dantes.
Título e Texto: António
Ribeiro Ferreira, jornal “i”, 31-12-2011
Edição: JP
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