segunda-feira, 5 de agosto de 2013

O Brasil está subordinado à Venezuela

Local da entrevista: Assunção, Paraguai;
Entrevistado: Júlio Maria Sanguinetti (JMS), ex-presidente do Uruguai e atualmente senador, que governou o país por duas vezes. Sanguinetti critica o Brasil, a quem acusa de falta de liderança na região e de ter ‘ciúmes’ do México.
Entrevistador: Jornal paraguaio ABC Color (ABC)

Foto: ABC Color
O ex-presidente uruguaio e senador Júlio Maria Sanguinetti (1985-1990 e 1995-2000), entrevistado pelo jornal paraguaio ABC Color, afirmou na quinta-feira que o Paraguai deve retornar ao MERCOSUL, mas, antes disso o órgão deve voltar às suas origens como rampa de lançamento para o mundo e não um "espartilho que nos amarra".
O político uruguaio criticou o presidente venezuelano, Nicolás Maduro, e a presidente do Brasil, Dilma Rousseff. Sobre a líder brasileira, disse que o governo dela está "subordinado aos ímpetos da Venezuela". Os principais trechos da entrevista:

ABC - Dentro de alguns dias deve assumir o novo governo eleito do Paraguai. Qual a sua avaliação do processo político paraguaio?
JMS - O Paraguai está no bom caminho. A crise envolvendo o presidente Fernando Lugo foi administrada dentro das normas constitucionais e esse foi um sintoma de amadurecimento político. Infelizmente isso não foi compreendido dentro do MERCOSUL, que agiu à margem do direito, como afirmou o próprio presidente José Mujica. Ele reconheceu expressamente isso ao afirmar que, em Mendoza, "o político superou amplamente o jurídico", ou seja, ignorou-se a legitimidade constitucional da ação do judiciário e do legislativo na deposição por “julgamento político” de Lugo e, por motivos ideológicos concatenados pelo Foro de São Paulo, os membros do MERCOSUL, comprometidos com essa organização ilegal transnacional, resolveram suspender o Paraguai e, num verdadeiro golpe político, admitir a Venezuela no bloco. Agora há um retorno do Partido Colorado, que obteve um triunfo cabal. O mais importante é o presidente (Horácio) Cartes consolidar uma maioria e, desta maneira, preservar uma estabilidade que permitirá ao Paraguai dar um salto qualitativo. Há uma expectativa positiva na região e, mais além, virão os investimentos e com eles a modernização do país e mais trabalho. O essencial é que a política não prejudique a economia.

ABC - Por que o senhor acha que surgiu um Hugo Chávez, na Venezuela, e os comunistas tenta propagar o “bolivarianismo” para alguns países da região?
JMS - Nossa região viveu a partir de 2003 uma fase de bonança única, com preços internacionais que do ponto de vista fiscal enriqueceram os Estados. Os períodos de prosperidade às vezes têm esse filho espúrio, o populismo demagógico, que nasce com essa bonança. Ele se alimenta da nostalgia dos tempos em que todos desfrutavam. Assim nasceu o peronismo e assim nascerão todos os populismos.

ABC - O senhor vê algo positivo no Socialismo do Século 21?
JMS - Não é uma doutrina. Apenas um discurso autoritário de um antiamericanismo anacrônico que divide as sociedades, as inflama e abre caminho para o autoritarismo.

ABC – Quais são os aspectos mais negativos?
JMS – A restrição da liberdade de imprensa e a violação do princípio da separação dos poderes. Essas são as bases da democracia que os populismos demagógicos atacam em primeiro lugar.

ABC – O senhor acha que o ‘processo bolivariano’ está consolidado e vai perdurar sem Hugo Chávez?
JMS – A última eleição na Venezuela mostrou uma oposição vigorosa apoiando Henrique Capriles, e há forte desconfiança, interna e externa, que este não ganhou a eleição graças a uma fraude considerável no processo eleitoral controlado pelo chavezismo. Hoje nada se assemelha aos tempos de Chávez, e assim como Chávez não foi Lula nem Dilma, Nicolás Maduro tampouco é Chávez. O incrível desastre econômico da Venezuela, por outro lado, também servirá para abrir muitos olhos.

ABC – Qual deveria ser a atitude de Horácio Cartes diante da violação do direito e o menosprezo pela dignidade paraguaia por parte de seus parceiros do MERCOSUL, em Mendoza?

JMS - O presidente Cartes tem agido, até hoje, com dignidade. Não foi ao Brasil, mesmo com seu desejo de encontrar-se com o papa Francisco. Já anunciou que não retornará ao MERCOSUL de a Venezuela não sair, e acredita-se que, mesmo que resolva voltar, não será na presidência da Venezuela, o que é mais lógico. Se, por um lado, foi arrogante e ilícito suspender o Paraguai do bloco, não menos arrogante e ilícito, foi ratificar a entrada e a presidência da Venezuela, justamente com um presidente que, com seu ministro do Exterior, esteve no Paraguai incentivando um golpe militar. O que ocorreria se esse mesmo comportamento fosse adotado por um secretário de Estado americano ou, ainda, por um ministro do Exterior argentino, por exemplo? Confio e desejo que o Paraguai volte a ser um parceiro ativo no MERCOSUL, para defender um pacto que não continue traindo os valores estabelecidos quando da sua fundação. Acho que o Paraguai vai se dar melhor na Aliança do Pacífico, junto com Chile, Peru, Colômbia e México. Os paraguaios sentem que Argentina e Brasil e – sob certos aspectos até o Uruguai – não são parceiros confiáveis para um bloco de livre comércio do cone sul que se transformou num clube político.

ABC – O senhor acredita que a crise do MERCOSUL é temporária? O MERCOSUL poderia desaparecer?
JMS – O MERCOSUL sobrevive como sobrevivem todas as instituições internacionais que, depois de criadas, criam mecanismos para se sustentar. Mas hoje o MERCOSUL já não é aquele que construímos. Não existe uma liberdade comercial efetiva, não há uma coordenação macroeconômica, nem as sentenças emitidas pelo Judiciário são aceitas. O Paraguai, por exemplo, nunca teve voz ativa no bloco. A crise do MERCOSUL é muito profunda, mas a ideia continua válida. É incrível que estejamos marginalizando o Paraguai e aceitando o Suriname e a Guiana como parceiros. O mesmo ocorre com a UNASUL, que abriga países alheios à nossa cultura e, por outro lado, deixa de fora o México, uma potência que se compara ao Brasil.

ABC – Um país como o Paraguai poderia avançar à margem do MERCOSUL?
JMS – Pessoalmente, acho que o Paraguai, dentro das simples normas comerciais da Organização Mundial do Comércio (OMC), estaria melhor fora do que dentro do bloco e poderia continuar a crescer como ocorre hoje, e até buscar melhores horizontes para se expandir, como já efetivamente fez ao ingressar na Aliança do Pacífico. Acho, inclusive, que o Uruguai está nesta mesma situação. Mas, em minha opinião, tem sentido continuar no MERCOSUL se conseguirmos condições de flexibilidade para manter acordos comerciais fora dele, como fez o Uruguai com o México, por exemplo. Essa seria uma orientação política fundamental. O MERCOSUL deve ser uma rampa de lançamento para o mundo e não um espartilho que nos amarra.

ABC – Se o senhor fosse presidente do Uruguai, o que faria em favor do Paraguai neste momento e nestas circunstâncias?
JMS – Não me coloco nessa posição, mas digo que os outros três países do MERCOSUL, incluindo o nosso, demonstram amplamente solidariedade com o Paraguai no seu processo de democratização, desde que foi iniciado pelo general Andrés Rodriguez, em cuja palavra acreditamos todos na época o que, felizmente, abriu um caminho valioso. Deveríamos hoje retomar essa orientação e respeitar o Paraguai. Não é possível que o Brasil acabe sempre subordinado aos ímpetos da Venezuela. Infelizmente é o que ocorre.

ABC - O que o Uruguai fez bem na última década que seria recomendável ao Paraguai?
JMS – O Uruguai retrocedeu na educação, segurança pública e na integração social. Mas conservou a mesma linha econômica, respeitando a economia de mercado e os equilíbrios macroeconômicos. Meu país e mesmo alguns setores da esquerda aprenderam essa lição: não há preço para a estabilidade política e a continuidade econômica, que dão segurança ao investidor, estrangeiro ou nacional. E uma economia forte é o único caminho para lutar seriamente contra a pobreza, a partir de uma educação popular que consiga inserir a nova geração no mundo global da sociedade do conhecimento, para o qual a maioria hoje não está preparada.

ABC - O senhor não acha que há uma competição entre Estados Unidos e o Brasil pela liderança na América Latina e o Caribe?
JMS – Hoje não, de maneira nenhuma. Os Estados Unidos não estão numa disputa dessa natureza. O Brasil pretende assumir um papel mais universal, mas fracassa no MERCOSUL, fracassa na UNASUL e, não obstante sua relevância, não tem uma liderança de fato. Seus ciúmes do México têm apequenado o país. Digo tudo isso com pesar, porque a região necessita de um Brasil vigoroso e compreensivo.

ABC – O ‘Socialismo do século 21’, o MERCOSUL, a Aliança do Pacífico, Brasil, Argentina, México, Estados Unidos, Europa, China, qual a sua visão geopolítica da região e do mundo nos próximos anos?
JMS – Hoje nós [MERCOSUL] estamos fora do jogo. Os países da Aliança do Pacífico avançam entre si e avançam para a Ásia. Os Estados Unidos estão em recuperação e continuam a potência de sempre, já não dominante, mas participando na frente asiática e aproximando-se também de uma Europa em crise, que, mesmo debilitada, continua economicamente um bloco importante. Permanecendo na periferia não vamos nos fortalecer. Estamos aqui, fechados, olhando como os grandes blocos se associam e nós, mergulhados em batalhas de pequenas aldeias. O MERCOSUL está em crise e isso é admitido até pelos líderes do governo uruguaio atual.

ABC – O senhor parece muito crítico do Brasil. Por quê?
JMS – Paraguaios e uruguaios, somos "brasileirólogos" ontológicos, ou seja, o Brasil é parte da nossa razão de ser. Um Brasil grande e respeitoso, um Brasil a la Barão do Rio Branco é importante para todos nós. Infelizmente, hoje o grande irmão do norte não vem agindo assim e, caso sua ação continue ineficaz e a se deteriorar, nossos governos terão que encontrar um modo de superar esta situação. O Brasil é fundamental, mas arrastado pela retórica venezuelana e isolado do México, não age à altura do seu peso específico e isso compromete a qualidade dos seus governantes. Tomara que possamos fazer com que ele entenda isso, para toda a região se inserir de modo eficiente num mundo globalizado.

Tradução: Terezinha Martino 
Matéria enviada pela Profa. Maria Lucia Vitor Barbosa

Aquele que não conhece a verdade é simplesmente um ignorante, mas aquele que a conhece e a cita como mentira, este sim é um criminoso". (Bertolt Brecht).

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Não publicamos comentários de anônimos/desconhecidos.

Por favor, se optar por "Anônimo", escreva o seu nome no final do comentário.

Não use CAIXA ALTA, (Não grite!), isto é, não escreva tudo em maiúsculas, escreva normalmente. Obrigado pela sua participação!
Volte sempre!
Abraços./-