Rafael Marques de Morais
Rafael Marques de Morais
[dados pessoais omitidos] vem, nos termos do artigo 9.º da lei n.º 2/94, de 14
de Janeiro, bem como do artigo 103.º do decreto-lei n.º 16-A/95, de 15 de
Dezembro, apresentar reclamação do acto administrativo contido no despacho
exarado por Vossa Excelência no dia 18 de Novembro de 2016, do qual o aqui
reclamante (R.) foi notificado a 06 de Dezembro de 2016.
Uma vez que não foi sequer
aberto um processo com número e referência em relação ao requerimento gerador
do despacho, este tem que ser identificado pelo seu objecto. Assim, o despacho
aqui reclamado refere-se ao pedido do R. de investigação da autorização
concedida pelo senhor presidente da República, na sua qualidade de titular do
poder executivo, ao ministro das Finanças, para aquisição do edifício
denominado Imob Business Tower.
O despacho do senhor
procurador-geral da República decidiu pelo indeferimento da pretensão do R.
I – Fundamento da decisão
reclamada
Para indeferir a pretensão do
cidadão Rafael Marques de Morais relativamente à abertura de um processo de
investigação à autorização concedida pelo senhor presidente da República, na
sua qualidade de titular do poder executivo, ao ministro das Finanças, para
aquisição do edifício denominado Imob Business Tower, o procurador-geral
estribou-se no artigo 127.º da Constituição angolana, considerando que o que
estava em causa, ao ser invocado o artigo 32.º da Lei da Probidade Pública, era
uma participação criminal contra o presidente da República, e interpretando o
normativo constitucional no sentido de impedir qualquer procedimento contra o
presidente da República por parte do Ministério Público, salvo por crimes
estranhos ao exercício das suas funções cinco anos depois de ter terminado o
mandato.
II – Razões da discordância
e motivo da reclamação
Existem alguns equívocos
interpretativos por parte do senhor procurador-geral da República no seu
despacho, os quais convém esclarecer.
O primeiro equívoco
interpretativo reside no seguinte: a Lei da Probidade Pública não é uma lei
criminal criadora de tipos criminais geradores de responsabilidade criminal.
Tal pode acontecer na sequência de investigações levadas a cabo no âmbito da lei,
mas o que a Lei de Probidade Pública faz é tornar ilícitos certos
comportamentos e criar as “bases e o regime jurídico relativos à moralidade
pública e ao respeito pelo património público, por parte do agente público”
(artigo 1.º).
Percorrendo o texto da lei,
deparamos com uma série de comportamentos que são declarados ilícitos. Contudo,
a sanção que esta lei lhes aplica é de tipo civil, administrativo ou
disciplinar. Veja-se o artigo 31.º, que é cristalino ao conter no seu n.º 1 o
seguinte: “Sem prejuízo das correspondentes sanções penais (…), o responsável
pelo acto de improbidade sujeita-se às seguintes sanções.” E depois enumera as
sanções que são de tipo administrativo, disciplinar ou civil: demissão,
reintegração de património, indemnização.
Apenas no capítulo V da lei se
fala em crimes cometidos por agente público. Aí, sim, entraríamos no âmbito da
responsabilidade criminal.
Portanto, a aplicação da Lei
da Probidade Pública ao presidente da República não pode ser afastada em nome
da imunidade criminal presidencial assegurada pela Constituição de República.
Na realidade, essa imunidade só permitirá afastar a aplicação do capítulo V da
referida lei. Todos os restantes mecanismos e sanções previstas na lei não têm
natureza criminal, mas meramente ilícita, e aplicam-se na plenitude ao
presidente da República.
Refira-se, como reforço desta
ideia, que o artigo 32.º da LPP se atém no seu n.º 3 à lei civil como
fundamento do decretamento de arresto de bens, congelamento de contas
bancárias, etc., e não a qualquer medida preventiva de natureza penal.
Em conclusão, a Lei da
Probidade Pública não tem carácter penal (excepto no seu capítulo V), pelo que
as imunidades previstas na Constituição referentes ao presidente não lhe são
aplicáveis.
O segundo problema interpretativo
do despacho liga-se à própria questão da natureza e sentido das imunidades
criminais conferidas ao presidente.
Da própria Constituição
resulta um regime misto. Em relação ao regime consagrado no art. 127 º da
Constituição, podemos dizer que estamos, em termos globais, perante um regime
dualista: temos os crimes praticados em exercício de funções e os crimes
estranhos ou sem relação de causalidade com as funções presidenciais.
A questão estará em distinguir
o que são actos praticados no exercício das funções e o que são crimes
estranhos ao exercício das funções. Em relação a estes, não existe nada que
impeça que o Ministério Público inicie uma investigação e que esta seja levada
a julgamento no Tribunal Supremo cinco anos depois de terminado o mandato.
Existem diligências probatórias e declarações para memória futura que podem
desde já ser realizadas e ficar guardadas.
Nesses termos, não se
justifica que o M.P. não abra um inquérito para averiguar a natureza dos crimes
em questão e, no caso de os considerar estranhos ao exercício das funções,
proceder a toda a investigação que se justifique, segundo um princípio de
proporcionalidade.
Em suma, esta reclamação tem
como fundamento o facto de a Lei da Probidade Pública se revestir de uma
natureza mais ampla que a natureza criminal; pelo que, em relação a tudo aquilo
que não seja sanção criminal, não faz sentido invocar a imunidade presidencial.
Acresce que mesmo em relação à
imunidade presidencial será necessário averiguar a natureza do crime – e para
tal é necessário abrir um processo de inquérito.
Neste sentido, apresenta-se a
presente reclamação do despacho mencionado, requerendo novamente a abertura do
respectivo inquérito.
(...)
Título, Imagens e Texto: Rafael Marques de Morais, Maka Angola, 13-12-2016
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