sábado, 7 de janeiro de 2017

Os juros da dívida podem esperar

Vitor Cunha

É com enorme consternação que verifico que trinta horas de debate nas várias estações de televisão não conseguiram determinar a plenitude da “angústia das vítimas” que espancaram o miúdo. Qual miúdo? Aquele que passa de dez em dez minutos em qualquer canal de televisão, o que está no chão, a ser socado e pontapeado por pessoas a quem a sociedade deve carinho e compreensão. Seria de pensar que isto se resolvia em dez ou quinze minutos: culpava-se a austeridade do Passos Coelho e a casmurrice do Cavaco e passava-se, finalmente, aos juros da dívida superiores a 4%. Mas não, é um caso muito complicado que merece toda a nossa atenção, dedicação e atenta audição de peritos com o gabarito de um Adão e Silva ou um Adão e Silva. Os juros terão que esperar.

Estou certo que Francisco Louçã concederá a estas pobres vítimas, as que não conseguiram controlar a ira capitalista, a absolvição necessária pelas nefastas consequências da não nacionalização imediata do Novo Banco, do Santander e da casa da mãe dele.

Tenho a certeza absoluta que o Daniel Oliveira escreverá um daqueles textos caríssimos no Expresso, ditado para o seu iPhone, daqueles que têm que ser cortados a meio para embrulhar uma dúzia de castanhas assadas, onde decretará a inabilidade do CDS para educar correctamente as crianças em escolas privadas sem a influência nefasta do capitalismo selvagem.

Mariana Mortágua dirá, certamente, que o BES tinha mesmo uma funcionária muito gira que também curte St. Vincent lá no balcão do qual o papá tem o projecto de arquitectura e todas as especialidades de engenharia.

Adão e Silva dirá o que sempre diz, obviamente, que é aquilo que nós sabemos que ele sabe dizer, coitado.

Marques Lopes dirá que não anda a criar filhos para que a radicalização do PSD origine um desequilíbrio sócio-económico ao ponto de ter dúvidas da sua sexualidade, não que tenha mal algum.

Por fim, Fernanda Câncio vai falar da vez em que o PSD impediu que o namorado lhe arranjasse um programa na RTP e ahahahahahahahahahaha, que sou uma desgraçada, os abutres só falam de mim, eu nunca falo de mim excepto daquela vez que o PSD impediu que me arranjassem um programa na RTP, e ninguém tem nada a ver com fufas e gays por isso vou já falar deles mais um bocadinho, tudo em minúsculas, excluindo o wonderbraTM, mudança de sexo para todos e um aborto para todas, ai de quem diga “maricas”.

Os juros da dívida podem esperar. 
Título e Texto: Vitor Cunha, Blasfémias, 6-1-2017

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