Henrique Pereira dos Santos
O governo determinou um
conjunto de regras de governo das nossas vidas a vigorar enquanto o governo
quiser, a pretexto de nos proteger da ameaça de uma epidemia.
À cabeça dessas regras está um
obrigação geral de reserva que, tanto quanto percebi, determina a minha
obrigação de não sair de casa a não ser quando as circunstâncias o exijam,
pondo nas mãos da polícia o poder arbitrário de me mandar para casa se o agente
concreto que me pergunta o que estou a fazer na rua assim o entender.
Não há fundamento técnico e
científico nenhum que dê suporte a esta decisão.
Mesmo as pessoas que olham
para isto tudo apenas com os olhos da defesa em relação à doença - um absurdo
social com forte apoio popular - reconhecem que as medidas neste sentido
decorrem apenas do bom senso, e não de qualquer evidência de eficácia, e muito
menos de necessidade ou utilidade, em manter confinadas pessoas saudáveis por
tempo indeterminado.
Ninguém pode dizer que será
possível fabricar uma vacina para esta doença, muito menos quando estará
disponível, qual o seu grau de eficácia e quanto tempo demorará a imunidade que
ela vier a conferir mas aceitamos que nos digam que até esse momento, a nossa
vida está condicionada pelo dever geral de reserva, e não pela nossa liberdade
e o respeito pela liberdade dos outros.
Ou seja, sem qualquer
fundamento sólido para além de modelos matemáticos e bom senso, o governo achou
normal violar uma série de direitos constitucionais das pessoas comuns, por
tempo indeterminado.
O simples facto do governo ter
omitido (obrigado João Gonçalves pela chamada de atenção) qualquer perspectiva
do que pretende fazer para resolver os gravíssimos problemas que a proibição de
visitas aos lares levanta, condenando milhares de pessoas em fim de vida e
indefesas à solidão, demonstra bem como a prepotência é a primeira premissa das
decisões tomadas.
Mesmo num sector em que o
Estado tem fortes responsabilidades na garantia de proteção dos grupos de maior
risco, onde ocorrem, não apenas em Portugal, mas em toda a Europa, 40 a 50% das
mortes com esta nova doença, a única coisa que o Estado se propõem fazer é
manter uma regulamentação administrativa desumana e que, para mais, foi incapaz
(e eu não estou a dizer que haveria soluções para ter sido de outra maneira) de
assegurar a proteção que se pretenderia assegurar.
A única coisa que, como
sociedade, temos para oferecer às pessoas de maior risco, mais velhas e
indefesas é acrescentar ao medo e à insegurança da situação a solidão imposta,
mesmo quando essas pessoas prefiram, legitimamente, correr o risco de viver a
vida que lhes resta na companhia de quem lhes é próximo.
A nós, os que não estamos
nesta situação, só nos resta uma atitude digna: resistir à prepotência do
governo e estar lá, ao pé de quem queira e prefira correr esse risco,
desobedecendo.
Outro exemplo simples: a
distância social recomendada pela Organização Mundial de Saúde é de um metro.
Vamos admitir que queremos ser mais prudentes e usemos um metro e meio. Ou
seja, um raio de pouco mais de sete metros quadrados, arredondemos para dez
metros quadrados. Assim sendo, qual é o fundamento para cada loja ter de
garantir 25 metros quadrados por cliente? Ninguém sabe, o que sabemos é que a
consequência concreta é a lotação das lojas diminuir drasticamente para menos
de metade, diminuindo administrativamente a liberdade económica do operador sem
qualquer fundamento. A liberdade de quem não se queira meter em espaços
confinados com esta lotação não seria minimamente beliscada, mas ainda assim o
governo entende que pode restringir a liberdade do dono da loja e dos clientes
com base em critérios que simplesmente não têm qualquer fundamento.
Eu não sou jurista, mas diria
que há aqui uma violação flagrante do código do procedimento administrativo ao
tomar-se uma decisão administrativa sem fundamento (ou com fundamento obscuro)
e sem qualquer respeito pelo princípio da proporcionalidade.
A epidemia não suspendeu os
direitos fundamentais das pessoas, no máximo pode fazer-nos aceitar a
compressão desses direitos de forma proporcional à ameaça, com fundamentos de
defesa dos bens coletivos bem claros e com absoluta transparência.
Não foi essa a opção do
governo, o que é mau, mas o pior é que não foi essa a opção do governo porque
somos nós que pedimos ao governo que se esqueça da liberdade para nos acalmar o
medo.
Aos outros, ao que prezam a
liberdade e a responsabilidade inerente, só lhes resta desobedecer.
Título e Texto: Henrique
Pereira dos Santos, Corta-fitas,
1-5-2020
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