sábado, 11 de dezembro de 2010

A WikiLeaks inaugurou o terrorismo digital

Wikileaks, site de Julian Assange, foto: Fabrice Coffrini/AFP

Abaixo, duas opiniões sobre a "lambança" da WikiLeaks:

A WikiLeaks inaugurou o terrorismo digital
A divulgação via Internet - e, portanto, acessível a qualquer cidadão de um país democrático e onde exista liberdade de expressão - de documentos classificados como secretos pelo site WikiLeaks (imagina-se que o nome seja uma paródia de gosto duvidoso à Wikipedia) inaugurou a era do terrorismo digital. Explicarei - naturalmente - esta afirmação em três pontos. Até porque estou consciente de que as posições assumidas por alguém como o fundador da WikiLeaks (um personagem de passado complexo e que chegou a abandonar em directo uma entrevista da CNN, mas cujos documentos foram antecipados pela Al-Jazeera) assumem, para algumas das franjas da opinião pública, um sentido quase quixotesco. Se mal explicadas, podem aparentar uma ideia de luta desigual entre poderosos e indefesos: uma espécie de versão do Robin dos Bosques da era digital. E esta é - obviamente - uma linha de raciocínio que apresenta tanto de enganador como de perigoso. Vamos, então, aos três pressupostos da minha tese.

Em primeiro, há na atitude da WikiLeaks uma intenção de causar dano em massa sem que, aparentemente, se controlem as suas consequências. Ou seja, se o responsável pelo site WikiLeaks tivesse alguma preocupação com as identidades das pessoas nomeadas nos diferentes documentos diplomáticos que divulgou teria - por uma questão de protecção da sua identidade e, no limite, da sua integridade -, demonstrado alguma vontade em ocultar nomes e datas. Mas não: a aparente necessidade de protagonismo e a de alcance de fama mundial foram os dois valores ponderados para este tipo de operação. Em bom rigor não se parou um momento para pensar que muitas destas pessoas são pagas pelos respectivos governos para fazerem este tipo de trabalho. Trata-se de cidadãos a cumprir orientações políticas.
Em segundo, há uma intenção de replicar os danos de forma reiterada e amplificar as suas consequências. Na verdade, a criação de sites-espelho que reproduzem vezes sem conta os conteúdos da WikiLeaks (encarregando-se mesmo alguns da sua tradução) está já a produzir um efeito de contágio e de disseminação da informação inicial, propagando as suas consequências e amplificando a intenção de dano. Ora este é um fenómeno que - muito à semelhança do que nos ensina o professor Cass Sunstein na sua obra Dos Rumores - dificilmente poderá ser contido e que, na verdade, terá um número considerável de consequências não inicialmente previstas. E perdurará no tempo.
Em terceiro, há na atitude da WikiLeaks um fundo ideológico de desafio aos sistemas de segurança nacional dos países. Ora, como bem sabemos, são justamente as nossas sociedades - livres e abertas - que, precisamente por terem essas características, se tornam elas próprias mais vulneráveis a este tipo de ameaças à segurança nacional. Infelizmente, esta tem sido uma vulnerabilidade muito explorada pelos grupos com intenções terroristas. E estes - como agora sabemos - podem aparecer aos comandos de um avião de inocentes colocado numa rota suicida; ou estar à distância de um comando de computador. Entrámos - a partir do dia 23 de Outubro - na era do terrorismo digital. 
Paulo Pereira de Almeida, Diário de Notícias, 10-12-2010

Wikileaks, "sim" e sem "mas"
1. Como cidadão, quero ter toda a informação pos-sível. Como jornalista, acredito que não devo esconder qualquer informação. Aceito que haja pessoas, não jornalistas, que gostem da primeira parte e defendam a selectividade na segunda, de acordo com os seus muito veneráveis interesses económicos, políticos e até partidários. É, no entanto, um desconforto reconhecer que continuam a existir jornalistas que se acham no direito de decidir quando, porquê, em que conjuntura, uma determinada informação é boa ou não interessa. "Porque é da fonte x", "porque interessa à pessoa, ou instituição, y". E eles, arautos da verdade, que a existir lhes teria sido outorgada por direito divino, registam umas e escondem outras de acordo com preconceitos, medos ou dependências - ou até na superior função de regularem o funcionamento do mundo. "Pois se do outro lado não se sabe nada..."
O caso das chamadas escutas a Belém, a nível doméstico, foi bem elucidativo a esse respeito. A nível global, os documentos da WikiLeaks estão a produzir a discussão que se sabe.
Eu sou, inequívoca e militantemente, pelo conhecimento e pela liberdade de informação. Até pelo dever da informação aplicado à actividade jornalística. Daí que, não achando pessoalmente relevantes alguns dos documentos divulgados pela WikiLeaks, entendo que até esses cumprem a sua função de explicar, a quem não as conhece, todas as dimensões da diplomacia, polí-tica e económica, mesmo na vertente mais mundana. Mas, no essencial, aprecio e apoio o fenómeno WikiLeaks e vejo com muita preocupação a forma como o poder económico é capaz de se agrupar globalmente na caça às bruxas dominando empresas cujo poder e saúde económica deveriam transmitir mais independência.
2. Acredito, e julgo-me livre do pecado da ingenuidade, que a informação pode ajudar a construir uma cidadania mais consciente, a estabelecer convicções, e a fortalecer a civilização ocidental, em contraponto com o permanente abuso do Poder noutras latitudes. Entre a liberdade e o "segredo", mesmo de Estado (que a história já nos provou ser sempre coisa de conjuntura), em última e mesmo que dilacerada análise seria sempre pela liberdade.
Há pessoas, em Portugal, que têm carteira profissional de jornalista e não pensam assim. Espero nunca as ver arrastar com elas uma profissão a que, definitivamente, não pertencem a não ser por infelizes circunstâncias da vida. Não lhes vejo, acrescento, capacidade para isso. Mas se, por absurdo, tal fosse possível, como se vê, a cidadania e a informação têm hoje mecanismos que tornam impossível o controlo absoluto por parte de qualquer candidatura a poder hegemónico. As válvulas de segurança existem e são sempre bem-vindas. Como o fenómeno WikiLeaks. E como outros que existiram no passado. E ainda outros que felizmente florescerão no futuro.
João Marcelino, Diário de Notícias, 11-12-2010

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