domingo, 23 de setembro de 2012

Irã – uma nação sob sanções

Jay Newton-Small
Na periferia ocidental de Teerã se situa o primeiro e único supermercado atacadista do Irã – uma espécie de hibridismo entre o Walmart e o Costco persa. Mulheres empurram enormes carrinhos de compras que deslizam sobre pisos broncos brilhantes, passando por fileiras de computadores Apple dos mais modernos e de televisores Sony tela plana – talvez contrabando, talvez falsificados. Elas vasculham prateleiras cheias de roupas de grife e compram de tudo, desde salmão norueguês a colônia ‘Old Spice’. Exceto pelos xadores, burkas e outras vestes femininas, o local poderia estar em qualquer bairro americano.
Pode isso estar situado na capital de um país que sofre as mais duras sanções internacionais da história moderna? As prateleiras estão abarrotadas de tudo desde os conhecidos ‘crocs’ até bolsas Louis Vuitton. Há construções em todos os lugares. Os restaurantes estão cheios. Mesmo as favelas de Teerã se jactam de estar cheias de antenas de disco que captam imagens de satélites e os mais novos modelos de carros. "O que você esperava encontrar?" perguntou um gerente de loja claramente próspero com uma gargalhada. "Por acaso, um Osama bin Laden no aeroporto com uma arma de fogo?" 

Aiatolá Khamenei, atual chefe supremo da República Islâmica do Irã.
Mas tal prosperidade é em grande parte uma ilusão. Do momento em que as aberturas do Presidente Barack Obama para uma diplomacia direta com o Irã foram rejeitadas, o governo de Washington conseguiu persuadir seus aliados europeus e asiáticos a apoiarem as severas sanções econômicas visando forçar o Irã a retornar à mesa de negociações. Os resultados têm sido dramáticos. A moeda iraniana já se desvalorizou em mais de 50%, e pelos cálculos americanos, as exportações de petróleo iraniano já caíram algo em torno de 45%. Alguns economistas acreditam que o Irã está sofrendo com um índice de inflação anual acima de 50%, o dobro do que o governo iraniano divulga, o que já e considerado uma hiperinflação grave. As autoridades americanas são rápidas em assumirem o crédito por isso. David Cohen, o subsecretário de Departamento do Tesouro, responsável por dar o aperto no Irã, diz que "existe reverberações na economia iraniana à medida que as sanções são ampliadas e intensificadas". 
A capacidade do Irã de manter as aparências de saúde econômica pode ajudar a determinar se haverá ou não uma nova guerra de desestabilização no Oriente médio ou não. O Irã está numa década de esforço determinado para se tornar uma potência nuclear. Caso as sanções da ONU não forcem os líderes iranianos a aceitarem o complete controle e fiscalização internacional do seu programa nuclear – que provem sem sombra de dúvidas que ele tem fins pacíficos -, Israel tem dito que partirá para ações militares ára destruir suas instalações, como medidas de defesa própria.
Enquanto os teeranianos tocam suas vidas, de certa forma alheios e desinformados sobre a situação, seu governo não dá qualquer sinal de recuo. Um relatório de agosto último da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), da ONU, descobriu que o Irã dobrou o volume de urânio refinado e enriquecido numa instalação subterrânea próxima a Fordow, um local virtualmente à prova de bombas que as potências ocidentais insistem que o Irã a desative como condição de suspender as sanções. A diplomacia internacional empacou e os políticos em Israel debatem abertamente o bombardeio das instalações nucleares do Irã, possivelmente mesmo antes da eleição presidencial dos EUA em novembro próximo.
O que eu pude ver numa rara viagem de seis dias ao Irã sugere que as sanções internacionais estão fazendo efeito. O país parou completamente de fornecer dados econômicos confiáveis de modo a esconder a profundidade dos danos que sofre. Todo mundo, do açougueiro ai industrial dirá que sob a superfície há meses de colapso econômico. Mas, mesmo uma catástrofe econômica pode não ser suficiente para parar os mulás governantes de prosseguir com seu programa nuclear.
A capacidade de suportar as sanções por parte do Irã é em parte um resultado de sabedoria e esperteza política. Em 2010, o Presidente Mahmoud Ahmadinejad levou adiante reformas que criaram subsídios energéticos que saem das empresas que direcionam o dinheiro para o povo. Agora, a cada mês, cada homem, mulher e criança recebe um cheque de aproximadamente 25 dólares provenientes da renda iraniana do petróleo. Tal distributivismo tem ajudado a isolar o pobre dos efeitos das sanções. Para um pai de família de quatro membros que ganha 200 dólares por mês – o salário mínimo iraniano – tais cheques efetivamente correspondem a um aumento salarial de cerca de 50%.
Mas a inflação está devorando esse subsídio. Há um ano, os cheques governamentais eram de 50 dólares ao mês, e no fim do ano eles já valiam apenas 12 dólares – o que não ajuda muito quando os preços estão disparando. Quando meu avião aterrissou no Aeroporto Internacional Imã Khomeini, a taxa de câmbio oficial propalada era de 120.000 RIAL por dólar americano; no mercado paralelo (negro) cada dólar era comprado por 225.000 RIAL. Um vendedor de pistache num espraiado no sul de Teerã tem gavetas de quase quarenta centímetros de altura para guardar o seu dinheiro: custa um punhado de RIALS para comprar um saquinho de castanhas.
O preço de um espeto de frango em julho era de 136.000 RIAL por libra e hoje já custa mais de 340.000, causando protestos nas cidades pelo Irã afora. O governo começou a importar frangos congelados da Turquia, e os preços caíram a 250.000 RIAL enquanto eu estava lá. Numa area pobre no sul de Teerã chamada Piroozi, encontrei uma mulher chamada Azadeh pechinchando com o açougueiro. (Todos os nomes iranianos nessa estória forma mudados para a proteção das fontes e de suas famílias de retaliação governamental) Azadeh costumava comprar duas vezes mais carne para a sua família do que estava conseguindo adquirir nos últimos dois meses em que ela se via crescentemente forçada a substituir a carne por vegetais em seus preparos culinários. O preço da carne estava três vezes mais cara do que no ano passado, reclamava ela. "A inflação está muito ruim", disse Azadeh, com seu cabelo vermelho saindo por debaixo de seu xale. "Mas eu não posso parar de comer carne". 
Os iranianos que podem pagar por ela estão fugindo do RIAL e adquirindo moedas de ouro chamadas ‘Bahar Azadi’, ou ‘Mola da Liberdade’, que eles acumulam em seus colchões. Outros têm investido no trabalho de pintores e escultores locais, criando uma bolha de Mercado de Arte enquanto os investidores buscam paraísos fiscais para o dinheiro que, se outra forma perderia inexoravelmente o seu valor. Tais sentimentos têm também alimentado a expansão na construção civil, mas Tehran só pode usá-lo para muitos prédios de apartamentos.
Mas se as reformas de Ahmadinejad estão perdendo valor para os iranianos todos os dias, seus efeitos nos negócios começam a ficar mais claros. Em Teerã, encontrei um homem chamado Ali Reza, cuja família possui uma fábrica que produz filtros de ar industriais. Há oito anos, a fábrica tinha 40 empregados e planos de expandir para 100. "Costumávamos importar matérias-primas dos EUA, se é que você pode acreditar nisso", diz Ali Reza rindo. "Então passamos a trazer do Reino Unido quando as sanções tornaram a importação da América impossível. Agora temos que ir a Dubai com malas de dinheiro – eles não aceitam outra coisa de nós – entregá-las a um sujeito e esperar que ele tenha o que precisamos". 
Ali Reza cortou sua folha de pagamento e seu pessoal pela metade e venderia a empresa se pudesse. "Ninguém está começando um negócio. Tudo está congelado. Se você possui ações de uma empresa, não pode vendê-las. Ninguém compra. Estamos atolados". Todo dia, pessoas batem a sua porta procurando trabalho. "Ve-se cada vea mais pessoas vendendo coisas nas ruas. A cada parada de metrô, lá estão elas vendendo pasta de dentes, guarda-chuvas num dos países que chove menos no mundo. E suas vozes são cada vez mais desesperadas". 
E isso é apenas o início. Quanto mais severas forem as sanções americanas e europeias, mais farão efeito de julho em diante. Tais sanções incluem um embargo das compras de petróleo iraniano pelos EUA e medidas bancárias americanas têm isolado o setor financeiro do Irã da economia global. Obama assinou uma recente rodada de sanções mediante uma lei em agosto último que já está sendo posta em vigor e o Congresso americano ora se ocupa de analisar mais sanções ainda.
Não existe mais crédito no Irã; apenas cartões de débito locais são aceitos. O desabastecimento está aumentando com força e começam a faltar generous de primeira necessidade. As mulheres imploram a seus amigos que viajam para o exterior que tragam na sua volta absorventes menstruais e Tampax, artigos de higiene íntima que desapareceram das lojas. Muitos novos nomes que enfeitam as prateleiras de supermercados são falsificações grosseiras (o Irã não respeita direitos internacionais de propriedade industrial ou intelectual), assim as camisetas Adidas, o talco Johnson ára bebês e os relógios ROLEX, são grosseiras falsificações chinesas ou roubos iranianos – e muito ordinários e ruins. Teerã costumava exportar frutas e verduras; agora tudo é retido para consumo interno.
Alguns das maiores manufaturas estão dando sinais de esgotamento, sugerindo que as sanções estão reduzindo a capacidade industrial do país. A Renault e a Peugeot costumavam suprir a montadora de automóveis do Irã, a Khodro, de partes e autopeças. Tal suprimento foi recentemente suspenso. A produção da Khodro do Irã caiu 40%, e a empresa demitiu 950 trabalhadores na primavera.
Se as sanções lideradas pelos EUA estão trazendo dor e sofrimento para as donas de casa e para as empresas, é menos nítido o efeito delas sobre seus alvos principais: os líderes iranianos e seu temido programa nuclear com o qual se comprometeram a defender a qualquer custo. O Sr. Cohen, do Departamento do Tesouro americano, diz que tais efeitos são mais difíceis de serem vistos. "O propósito do programa de sanções não é tornar difícil encontrar um agasalho verde da Benetton no tamanho certo", disse ele. "Não se verá nas ruas o quão é difícil conseguir o aço para as centrífugas, ou eletrônicos de ponta para o seu programa nuclear. Não se verá o quando é difícil encontrar uma chapa de alumínio. Mas as sanções estão tendo um efeito devastador em todas essas áreas". 
Enquanto isso, o comércio tem sido forçado a práticas ilegais, beneficiando o Corpo da Guarda Revolucionária Iraniana, que administra o programa nuclear e é amplamente tida como facilitadora da maior parte do contrabando para dentro do país. Washington tem tentado contar ao máximo os lucros da Guarda Revolucionária. O Tesouro dos EUA penalizou dois bancos iraquianos por fazerem negócio com entidades iranianas.
Quanto tempo o Irã aguentará? Um ano, talvez dois, é o que mais se ouve dos iranianos. Muitos acreditam no direito do Irã à energia nuclear e até mesmo a armas atômicas. "Se o Paquistão e a Índia as têm, se Israel as tem, então por que não nós?", pergunta uma mulher chamada Dorri. Dito isto, Dorri não acha que uma bomba valha tantas sanções e tanto sacrifício. Mas, como a maioria dos demais iranianos, ela não cogita de fazer qualquer manifestação de protesto contra o governo de seu país, não importa o quão ruim a economia possa ficar.
Os líderes iranianos insistem que seu programa nuclear é puramente para produzir energia elétrica e para pesquisa médica, ainda que continuam a recusar a ampla vistoria dos inspetores da ONU as suas instalações. Quanto mais tempo dura esse impasse, mais belicosa se torna a retórica israelense. O Primeiro-Ministro Benjamin Netanyahu tem esquentado a exigência de que os EUA estabeleçam com clareza as "linhas vermelhas" que limitam o programa nuclear de Teerã. E a AIEA tem apelado ao Irã para que permita a ampla vistoria de seus inspetores nas instalações militares de Parchin.
Entrementes, para fazer compras naquele brilhoso supermercado na zona oeste de Teerã, Dorri já deve ter vendido um pouco de suas joias de ouro. Por sorte, diz ela, há mais em seu toucador. Mas, vai chegar o ponto em que Dorri ficará sem ouro, Azadeh não conseguirá mais pagar pelos espetos de frango, e a empresa de Ali Reza terá que fechar. Aí então não haverá mais ninguém para comprar o contrabando e as mercadorias de segunda chinesas e pilhas de mercadorias cintilantes se acumularão nas prateleiras dos supermercados e a capacidade de compra será toda desviada para alimentos e gêneros de primeira necessidade, se ainda eles estiverem disponíveis.
Jay Newton-Small/Tehran, para a revista TIME, 24 de setembro de 2012
Tradução: Francisco Vianna
Original:

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