sábado, 29 de setembro de 2012

Pirómanos à solta

Alberto Gonçalves
Seria esquisito que, após reduzir Roma a cinzas, Nero resolvesse organizar um seminário de proteção civil. Mas não só Nero nunca empreendeu semelhante coisa como, muito provavelmente, não teve responsabilidades no episódio do fogo. Esquisito de facto é que alguns dos principais responsáveis pelo estado do País apareçam a dar lições sobre a melhor maneira de o governar.

Augusto Santos Silva, por exemplo, confessa-se preocupado com a “turbulência” na coligação governamental. Pedro Silva Pereira declara as novas medidas de austeridade um “disparate econômico” e incita o PS a liderar a contestação popular. E António Costa considera as medidas “ofensivas” e sentencia o falhanço das políticas seguidas.

Pedro Silva Pereira, foto: Pedro Elias
Não discuto a pertinência dos comentários. Acho que se devia discutir imenso a legitimidade de quem comenta. Se não me engano, as personalidades referidas pertenceram, enquanto ministros, aos dois governos que mais contribuiram para esfarrapar a economia e as finanças nacionais (o dr. Costa, duvidosa honra lhe seja feita, pertenceu apenas a um). Em condições normais, essas eminências passariam o ano e pouco decorrido desde as “legislativas” fechadas em casa, de preferência com a luz apagada para atenuar o embaraço delas e o rancor alheio. Em condições normais, as eminências estariam decididas a não sair de casa nos próximos três lustros, talvez acendendo a luz a meio do segundo.

Em Portugal, onde o descaramento constitui uma reserva sem fundo, as eminências andam literalmente por aí, a aliviar-se de palpites e sermões a propósito do buraco que ajudaram a construir. De acordo com o Correio da Manhã, até o principal obreiro do buraco regressou momentaneamente do exílio parisiense para jantar em Lisboa com uma fracção dos comparsas no restaurante O Poleiro. É provável que o nome traduza certas expectativas. É plausível que as espectativas tenham razão de ser, e que, além da memória e vergonha, isto também não tenha remédio.
Título e Texto: Alberto Gonçalves, Sábado, nº 438, de 20 a 26-9-2012

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