Reinaldo Azevedo
Ferreira Gullar tem 82 anos. É
raro haver quem não o considere o maior poeta vivo da língua portuguesa e um
dos grandes da literatura contemporânea. Já foi militante de esquerda, filiado
ao Partido Comunista Brasileiro, mas se rendeu à realidade. Concedeu uma
entrevista de impressionante lucidez a Pedro Dias Leite, nas Páginas Amarelas
de VEJA. Leia trechos.
O senhor já disse que “se bacharelou
em subversão” em Moscou e escreveu um poema em que a moça era “quase tão bonita
quanto a revolução cubana”. Como se deu sua desilusão com a utopia comunista?
Não houve nenhum fato
determinado. Nenhuma decepção específica. Foi uma questão de reflexão, de
experiência de vida, de as coisas irem acontecendo, não só comigo, mas no
contexto internacional. É fato que as coisas mudaram. O socialismo fracassou.
Quando o Muro de Berlim caiu, minha visão já era bastante crítica. A derrocada
do socialismo não se deu ao cabo de alguma grande guerra. O fracasso do sistema
foi interno. Voltei a Moscou há alguns anos. O túmulo do Lênin está ali na
Praça Vermelha, mas, pelo resto da cidade, só se veem anúncios da Coca-Cola.
Não tenho dúvida nenhuma de que o socialismo acabou, só alguns malucos insistem
no contrário. Se o socialismo entrou em colapso quando ainda tinha a União
Soviética como segunda força econômica e militar do mundo, não vai ser agora
que esse sistema vai vencer.
Por que o capitalismo venceu?
O capitalismo do século XIX
era realmente uma coisa abominável, com um nível de exploração inaceitável. As
pessoas com espírito de solidariedade e com sentimento de justiça se revoltaram
contra aquilo. O Manifesto Comunista, de Marx, em 1848, e o movimento que se
seguiu tiveram um papel importante para mudar a sociedade. A luta dos
trabalhadores, o movimento sindical, a tomada de consciência dos direitos, tudo
isso fez melhorar a relação capital-trabalho. O que está errado é achar, como
Marx diz, que quem produz a riqueza é o trabalhador, e o capitalista só o
explora. É bobagem. Sem a empresa, não existe riqueza. Um depende do outro. O
empresário é um intelectual que, em vez de escrever poesias, monta empresas. É
um criador, um indivíduo que faz coisas novas. A visão de que só um lado produz
riqueza e o outro só explora é radical, sectária, primária. A partir dessa
miopia, tudo o mais deu errado para o campo socialista. (…) O capitalismo não é
uma teoria. Ele nasceu da necessidade real da sociedade e dos instintos do ser
humano. Por isso ele é invencível. A força que torna o capitalismo invencível
vem dessa origem natural indiscutível. Agora mesmo, enquanto falamos, há
milhões de pessoas inventando maneiras novas de ganhar dinheiro. É óbvio que um
governo central com seis burocratas dirigindo um país não vai ter a capacidade
de ditar rumos a esses milhões de pessoas. Não tem cabimento.
Eu, de direita? Era só o que
faltava. A questão é muito clara. Quando ser de esquerda dava cadeia, ninguém
era. Agora que dá prêmio, todo mundo é. Pensar isso a meu respeito não é
honesto. Porque o que estou dizendo é que o socialismo acabou, estabeleceu
ditaduras, não criou democracia em lugar algum e matou gente em quantidade.
Isso tudo é verdade. Não estou inventando.
E Cuba?
Não posso defender um regime
sob o qual eu não gostaria de viver. Não posso admirar um país do qual eu não
possa sair na hora que quiser. Não dá para defender um regime em que não se
possa publicar um livro sem pedir permissão ao governo. Apesar disso, há uma
porção de intelectuais brasileiros que defendem Cuba, mas, obviamente, não
querem viver lá de jeito nenhum. É difícil para as pessoas reconhecer que
estavam erradas, que passaram a vida toda pregando uma coisa que nunca deu
certo.
(…)
Como se justifica sua defesa
da internação no tratamento da esquizofrenia?
As pessoas usam a palavra
manicômio para desmoralizar os hospitais psiquiátricos. Internei meu filho em
hospitais que têm piscina, salão de jogos, biblioteca. Mesmo os públicos não
têm mais a camisa de força ou sala com grades. Tive dois filhos
esquizofrênicos. Um morreu, o outro está vivo, mas não tem mais o problema no
mesmo grau. Controlou com remédio, e a idade também ajuda. A esquizofrenia
surge na adolescência e se junta à impetuosidade. Com o tempo, a pessoa vai
amadurecendo. Doença é doença, não é a gente. Se estou gripado, a gripe não sou
eu. A esquizofrenia é uma doença, mas eu não sou a esquizofrenia. Posso
evoluir, me tornar uma pessoa mais madura, debaixo de toda aquela confusão. O
esquizofrênico com 50 anos não é o mesmo de quando tinha 17.
(…)
Reinaldo Azevedo, 23-9-2012
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