Valfrido M. Chaves
Nas fronteiras do Sul, herança
de uma época em que os limites da Nação eram traçados e defendidos a patas e
lanças da cavalaria, argentinos e brasileiros ainda hoje trocam farpas, através
de piadas e chistes. Vamos, pois, a uma “piada de argentino”: - “Você sabe qual
é o melhor negócio do mundo?... Não sabe? É comprar qualquer coisa pelo preço
que o argentino diz que o brasileiro vale, e vendê-la por quanto o argentino
acha que ele próprio vale”.
Humor à parte, este chiste tem
por pressuposto a noção de que nossos vizinhos, ao Sul, exibindo uma autoestima
exagerada, usam e abusam do direito de se engrandecerem. Ao mesmo tempo, nele
fica clara a idéia de que, por lá, não seriamos objeto de maior apreço ou
consideração. Sem entrar no mérito da pretensiosa autoestima argentina e de
nossa desvalorização embutidas na piada, trago ao leitor algumas reflexões a
partir da mesma...
Do ponto de vista psicológico,
todos nós abrigamos um lado “argênteo”, ou seja, “narcísico”, que nos leva a
uma autoestima exagerada, à super valorização de nossas qualidades e à ausência
de autocrítica. Trata-se do lado infantil que temos em nossa interioridade, o
qual se crê o umbigo ou a sétima maravilha do mundo. Por outro lado, coabitando
em nossa alma com esse “argentino”, temos em nós outro infante marcado
por sentimentos de abandono, insignificância e dor que foram vivenciados num ou
noutro momento. Tal criança se sente como um ninguém, um “coisa pouca” no
mundo. Vou me abster, por motivo de espaço, de adentrar nas possíveis raízes
familiares do “Argentino” e do “Coisa Pouca” que trazemos na alma, enfocando
apenas o modo como lidamos com esses personagens internos e como eles
interferem em nossa vida social.
![]() |
Ilustração: Mario Pinto |
Esopo, com sua fábula “A rã e
o touro”, nos acompanhará neste passeio para nos introduzir na dialética desses
nossos já referidos contrários, o Argênteo e o Coisa Pouca: “Uma pequena Rã,
num banhado, viu próximo dela um grande touro, que viera beber água.
Sentindo-se apequenada diante do gigantesco intruso, começou a se inflar, e foi
inchando, inchando, até... estourar!”. Do mesmo modo, quando a criança vive
intensamente o sentimento de desamparo e dor, diante de pais que pouco a
admiram e que passam a lhe parecer tão grandiosos quanto o touro do banhado,
ela infla, infla o seu ego, se apegando aos momentos fugazes de grandiosidade
que tenha experimentado. Com tal apego, fica ela então pronta para trilhar o
mundo carregando, em seu alforje psíquico, um pretencioso “Argentino” e um
deprimido “Coisa Pouca”!
Ao longo de nossas jornadas,
fazemos com as dores e os incômodos provocados pela presença do nosso “Coisa
Pouca” em nossa alma, o mesmo que o aparelho digestivo faz com o que lhe é
indigesto: colocamos para fora, vomitamos no outro e, assim o fazendo, ficamos
só com o lado grandioso dentro de nós. Não é difícil identificar essa “defesa”
contra a dor que advém da própria “coisapouquice”: ela está sempre presente nas
tentativas de desmerecer, desqualificar, paralisar, no outro, os méritos e
possibilidades que não julgamos possuir, ou ações que não consigamos executar.
Mas qual seria o ganho do “Coisa
Pouca” em promover a maledicência sobre o outro, ou a paralisação de suas ações
criativas ou produtivas? É justamente colocar fora, produzir no outro a própria
impotência, paralisação, mal-estar e, ao fazer isso, se sentir parte de uma
“militância argêntea” e poderosa. Tendo depositado fora a própria
coisapouquice, o “militante” fica só com a “coisagrandiosa” dentro de si. Ou
seja, o sentimento de onipotência, poder ilimitado. Esse mecanismo de defesa
tem até nome: “projeção”!
Exemplos? O Vírus de Computador,
que surgiu justo quando escrevia este artigo, e freudianamente denominado
“Status”! Qual seria o status (prestígio) interno de alguém que tenta destruir
programas e memórias que têm a cara limpa (nada contra os barbudos!) e que
podem ser mostrados e usados de modo produtivo? Seu objetivo? Disseminar,
plantar fora o seu próprio sentimento de impotência e, feito isso, sentir-se
infantilmente poderoso.
Outro exemplo? Na discussão
regional da Agenda 21, uma cientista de nossas Universidades relatou que um de
seus projetos de pesquisa, feito com carinho e competência, foi indeferido pela
burocracia porque a pesquisadora não tinha pedido, em seu projeto, papel e
lápis! Já imaginaram o quanto o burocrata que fez isso se sentiu poderoso? E os
que tentaram, no grito e com subterfúgios ambientais, paralisar o escoamento
dos produtos brasileiros pela Hidrovia Paraguai-Paraná e assim impedir nosso
desenvolvimento hidroviário? Ainda dentro dessa linha reacionária e
obscurantista, convém lembrar que a proposta oficial do PT na Agenda 21, com
relação aos transgênicos, foi a de proibição de suas pesquisas no Brasil.
Nessa linha, apontaríamos
ainda a tentativa de impedir a substituição de gramíneas não palatáveis, que só
acumulam biomassa e alimentam grandes incêndios no Pantanal, por outras
cultivares que melhor alimentam o gado, protegem o solo e inibem os incêndios.
Seria interessante assinalar nessas ações pseudo-ambientalistas, a sistemática
união de organizações ligadas às grandes oligarquias transnacionais, com grupos
de esquerda mais radicais, presentes em MS. Embora os pantaneiros venham
promovendo a melhoria de suas pastagens há mais de 30 anos, entendendo que com
isso conciliam a sustentabilidade econômica e a ambiental do Pantanal, nunca
apareceu ninguém, com uma pesquisa séria, para apontar como e onde a
experiência pantaneira impactaria negativamente a qualidade ambiental da
Planície. Pelo contrário, os pesquisadores testemunham, naquela prática
inovadora, a conciliação entre a promoção da qualidade ambiental e melhores
índices zootécnicos. Afinal, melhores pastos, gado e bons manejos fazem das
queimadas coisa do passado!
Tudo se passa como se houvesse
uma programação ideológica a cumprir, ou seja, levantar suspeição, desmerecer e
desqualificar o trabalho produtivo na Planície Pantaneira. No plano
psicológico, seria destruir a autoestima do outro, paralizando-o em sua
criatividade e produtividade. E ao fazer isso, sentir-se um maravilhoso
“defensor do meio ambiente”, com um Ego resplandecente! Fim ao cabo, a
motivação dessa prática se deve a que as pessoas com reduzida autoestima e sem
produtividade se sintam bem quando conseguem deixar o outro nas suas mesmas
condições... Aqueles com tais características são cooptados facilmente por
interesses tanto ideológicos quanto geopolíticos, para as atuações perversas já
apontadas.
O messianismo é uma das
atuações que expressam essa “gangorra” interna em que brincam conosco o nosso “
eu maravilhoso” e o “coisa pouca”. Nele, há um supremo prazer em anunciar a salvação,
o “novo paradigma” para as massas, tornar-se “o messias” e ter o poder. Por
outro lado, aqueles com menos talento, porém com o mesmo sentimento de
insignificância do “messias”, se realizam na submissão ao líder grandioso ou
doutrina salvacionista, se sentindo partícipes da magnitude do líder ou da
causa. “Identificação projetiva” é como a Psicanálise nomeia este mecanismo.
As grandes tragédias do século
passado tiveram em seu bojo a dinâmica a que estamos nos referindo: o
totalitarismo fascista, nas suas versões nazista e comunista, trouxeram o
holocausto, os expurgos, os assassinatos em massa, enfim, a crueldade contra a
pessoa humana numa expressão massiva tal que se imaginava impossível em nosso
estágio civilizatório.
Ambas as ideologias subjacentes
àquelas ações degradantes que deverão sempre envergonhar nossa espécie e nos
servir de advertência, anunciavam “boas novas” para a humanidade. O
nazi-fascismo trazia a redenção da humanidade através da “higiene racial”, com
a supressão das idéias ou “raças inferiores”: comunistas, judeus, ciganos,
eslavos, etc. Por outro lado, o totalitarismo marxista-leninista anunciava a
“boa nova” através da “supressão da sociedade de classes e do Estado” e o que,
na prática, foi instrumentalizado pela “ditadura do proletariado”. Tal como na
Terra Prometida, onde nos riachos correria leite e mel, sob o novo regime
jorraria abundância e liberdade, com plena “liberação das forças produtivas”.
Os grandes timoneiros daqueles
processos massivos de degradação humana foram Hitler, Lênin, Stálin e Mao Tse
Tung. Todos, personalidades paranóides, extremamente cruéis, amantes do poder e
absolutamente fascinados pelo papel que eles próprios e as massas lhes
outorgavam, como “redentores da humanidade” ou “messias prometidos”. Não é por
acaso que todos eles se eternizam no poder: Hitler, Stálin, Mao, Fidel. Todos
eles construíram um sistema ideacional ou ideológico que viabilizava e
justificava, historicamente, a crueldade e o desprezo contra o indivíduo e a
humanidade. Todos esses messias demonstraram possuir Egos frágeis, incapazes de
administrar as suas pulsões primitivas, as quais liberavam, atendendo ainda
suas necessidades narcísicas: mandavam milhões de seres humanos para os fornos
crematórios ou para os expurgos siberianos, e ainda se consideravam, por causa
disso, mais maravilhosos! As cinzas que saiam das chaminés dos fornos
crematórios, caiam como lantejoulas sobre o Ego dos executores da carnificina.
Não suportar as próprias
contradições na alma é o determinante subjacente daqueles que se empenham na
eliminação da diversidade e pluralidade em seu ambiente. O aparato ideológico,
seja nazista ou marxista-leninista, apenas agilizaram e justificaram as
práticas antidemocráticas e degradantes levadas a efeito, as quais correspondiam
a necessidades individuais de seus executores. Se não houvesse aquelas
ideologias para os justificarem, eles criariam uma, aliás, como criaram.
Espero que o leitor perceba o
“mecanismo chave” que apontamos: mandamos o “coisa pouca” para o forno crematório,
“paredon” ou Sibéria, e ainda inflamos o “ego-maravilha” dentro de nós. Aí
entra o “culto da personalidade” que, estimulando a identificação das massas
com o Grande Líder, as tornam dependentes do mesmo. É uma simbiose perfeita,
engendrada no caldeirão do diabo e que, historicamente só ocorreu nas
sociedades em que a autoestima coletiva entrou em colapso, como na Alemanha e
Rússia pós Primeira Guerra e na China enxovalhada pela dominação Ocidental e
imperialista.
A percepção de tais
mecanismos, à luz do conhecimento dos fatos históricos, da Ciência Política, da
Psicologia Social e da Psicanálise, nos parece de crucial importância neste
início de século, em nossa sociedade. A evolução dos meios de comunicação de
massas e das técnicas de manipulação da opinião pública estão postas à
disposição de Partidos Políticos, Ideologias e interesses Geopolíticos
contemporâneos atuantes entre nós. Não é difícil identificar suas raízes,
heranças e herdeiros, pois o diabo não consegue esconder o rabo e o chifre por muito
tempo.
Neste momento, só não vê entre
nós quem são os herdeiros ideológicos daqueles que, por quase um século,
ensangüentaram e atrasaram meio mundo com seu messianismo redentor, quem não
quer ou está cooptado.
E que bom futuro nos aguarde,
mercê de nossa lucidez e ações que possamos desenvolver e compartilhar. Que
nossa “rãzinha” não tenha necessidade de inchar muito e que possamos nos
lembrar que felizes são os povos que não precisam de salvadores messiânicos e nem
se disponham a ouvir o canto de sereias redentoras, ultrapassadas e relançadas
por “rãzinhas” e “argentinos”. E que Deus nos conserve a autoestima, a
pluralidade, as imperfeições e o bom senso.
Título e Texto: Valfrido M. Chaves
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Não publicamos comentários de anônimos/desconhecidos.
Por favor, se optar por "Anônimo", escreva o seu nome no final do comentário.
Não use CAIXA ALTA, (Não grite!), isto é, não escreva tudo em maiúsculas, escreva normalmente. Obrigado pela sua participação!
Volte sempre!
Abraços./-