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Imagem: João
Lara Mesquita
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Para um otimista, a Europa é o promontório das
renascenças. Ao longo dos séculos tem demonstrado a capacidade de se renovar,
tanto a nível global como regional. E fá-lo, em geral, após períodos de grande
instabilidade (política, social ou económica), de conflito aberto, ou até de
epidemias – confirmando o velho ditado de que “depois da tempestade vem a
bonança”. A explicação talvez esteja na matriz fenícia. Também a fénix, a ave
púrpura das Arábias, voava todos os 500 anos para o Egito, para se imolar e
renascer dos escombros e das cinzas.
O grande Renascimento europeu – após a medieval
Idade das Trevas – começou na Itália (século XIV), propagou-se pelo resto do
continente e perdurou até ao século XVII. Veio na cauda da Peste Negra (que
dizimou quarenta por cento da população europeia, entre 1348-50), da Guerra dos
Cem Anos (que opôs a Inglaterra à França entre 1337-1543 e levou ao colapso de
bancos florentinos), e das Guerras da Lombardia (que redesenharam o Norte da
Itália entre 1423-54). Eis a Europa de Leonardo da Vinci, François Rabelais,
Erasmo de Roterdão e Albrecht Dürer, de Gil Vicente e Hieronymus Bosch – todos
contemporâneos uns dos outros. Ou, um século depois, a Europa de Galileo,
Claudio Monteverdi, Shakespeare, Pieter Paul Rubens, Johanes Kepler e Lope de
Vega.
No século XVIII houve a Europa do Iluminismo, com
o filósofo David Hume a proclamar que “tudo o que existe tem uma causa” (teoria
da causalidade). O efeito segue-se a uma causa (excepto em mecânica quântica
onde a causa pode ser consequência do efeito). Hume, aliás, foi um dos faróis
da Renascença escocesa, juntamente com o químico (e médico) Joseph Black, o
economista Adam Smith, o geólogo James Hutton e o poeta Robert Burns. E houve
um último fogacho modernista nos começos do século XX, com Albert Einstein e
Niels Bohr (ciência), Arnold Schoenberg (música), Pablo Picasso (pintura) e
James Joyce e Fernando Pessoa (literatura), com uma guerra mundial (1914-1918)
e uma revolução (russa) de permeio. Virá aí outra Renascença europeia? O futuro
é imprevisóvel e a fénix só renasce de 500 em 500 anos…
Há duas conquistas renascentistas que me
impressionam: na música, a inteligibilidade da palavra; na pintura, a simulação
do espaço tridimensional. Depois da massificação do canto gregoriano e da
polifonia, as camerate florentinas
procuraram revitalizar o drama clássico grego através da música. O entendimento
do texto era essencial – daí a emergência de um estilo novo, o parlar ou recitar cantando, que gerou a ópera, a mais complexa forma de arte
ainda em uso. L’Orfeo (1607), a ‘fábula
por música’ de Monteverdi, composta para a Corte de Mântua, é a mais antiga
ópera a subsistir no repertório. Coincidência, ou não, a primeira cantora de
ópera a distinguir-se foi Madama Europa (Rossi), na mesma Corte de Mântua, e
que terá talvez interpretado um intermezzo
baseado no mito do rapto de Europa (por Zeus).
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Estátua de
Brunelleschi próxima ao Duomo de Florença.
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O curioso é que, enquanto a arte europeia
enveredou pela conquista do espaço, a arte oriental preocupou-se com o domínio
do tempo (uma variável só introduzida na pintura ocidental no século XIX). Há
toda uma tradição narrativa na pintura chinesa e japonesa (mural e de rolo).
Mais ainda: a representação é feita do ponto de vista do objeto representado,
enquanto na Europa o é do ponto de vista do observador omnisciente. Os
ocidentais valorizam o espaço, mas os orientais, mais pacientes, dão tempo ao
tempo. Conta-se que, interrogado sobre a importância histórica da Revolução
Francesa, o primeiro-ministro Chu-en-Lai terá dito: “Ainda é cedo para saber”.
Título e Texto: Jorge Calado, capítulo 5 do ensaio “Quem é? O que é? A Europa”, in
“XXI, Ter Opinião – 2014”, páginas 37
e 38
Digitação: JP,
21-11-2013
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