Luis Dufaur
E se o presidente russo
estivesse pensando em duas bombas atômicas táticas contra um membro da NATO – a
Polônia ou a Lituânia, por exemplo?
O pesadelo nuclear com a
possibilidade de represálias poderia encerrar uma era histórica. Porém, segundo o correspondente na Rússia do The Atlantic, a enlouquecedora perspectiva
não está longe de ser adotada pelo Kremlin.
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Aviões militares em Moscovo, 3
de maio de 2014, foto: Tatyana Makeyeva/Reuters
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Num foro da juventude
realizado no final de agosto ao norte de Moscou, Vladimir Putin lembrou, em tom
ameaçador, que “a Rússia é um dos países mais poderosamente nuclearizados do
mundo. É uma realidade, não é um jogo de palavras”, enfatizou.
No mesmo mês, em Yalta, Putin
confidenciou aos líderes partidários da Duma – a Câmara dos Deputados – que ele
pretendia em breve prazo “surpreender o Ocidente com nossos novos
desenvolvimentos no campo de armas nucleares ofensivas que nós conservamos em segredo
no momento”.
O jornal lembra que,
simultaneamente, bombardeiros nucleares e caças estratégicos russos violavam –
ou ameaçam violar – o espaço aéreo americano, europeu e do Mar da China. E que
no fundo dos oceanos submarinos nucleares russos e americanos se enfrentavam
como nos piores dias da Guerra Fria.
A Rússia também teria violado
o Tratado sobre as forças nucleares de alcance intermediário, que proíbe aos
signatários possuir mísseis capazes de serem utilizados contra alvos europeus.
Obama entrou na Casa Branca
prometendo reduzir essas armas para fazer do mundo um lugar mais seguro. Mas,
de fato, ele se prepara para despedir-se da mansão presidencial deixando atrás
de si uma Rússia dotada de um arsenal nuclear mais mortífero do que nunca.
A escalada, comenta o jornal,
não pressagia nada de bom.
Putin se atreveria a apertar o
botão a partir do qual não haveria mais volta atrás?
Para Andrei Piontkovski,
ex-diretor do Centro de Estudos Estratégicos de Moscou e analista político do
BBC World Service, ele seria perfeitamente capaz disso.
Ele até acha que Putin entrou
numa enrascada com o Ocidente a propósito da Ucrânia e que, para sair como
vencedor e ao mesmo destruir a OTAN e o resto de credibilidade dos EUA como
guardião da paz planetária, ele não hesitaria na mais alucinante das
alternativas.
O cenário entrevisto por
Piontkovski reveste-se de uma aterrorizadora pertinência, diz The Atlantic.
Pior, postas certas circunstâncias, poderá parecer lógico e talvez inevitável.
Serguei Karaganov, diretor da
Escola de Altos Estudos Econômicos de Moscou, representante do “campo da paz”,
pede que Putin proclame unilateralmente que já ganhou na Ucrânia e encerre de
vez o conflito. Mas essa posição não convence o Kremlin.
O “campo da guerra” propõe
duas saídas, a primeira das quais é “um cenário romântico e edificante: o mundo
russo ortodoxo desataria a Guerra Mundial contra o mundo anglo-saxão podre e
decadente”.
Essa Guerra Mundial seria uma
guerra convencional contra a OTAN. Mas não funcionaria bem, diante da
superioridade tecnológica ocidental e do atraso russo, acabando em derrota para
o Kremlin.
Só ficaria a segunda opção: o
ataque nuclear. Não uma ofensiva maciça contra os EUA e a Europa, mas uma ou
duas “pequenas” bombas contra um ou dois membros da OTAN pelos quais os
ocidentais não estariam dispostos a dar a vida.
Qual seria o pretexto?
Qualquer um, montado em laboratório do Kremlin, aproveitando as experiências
ucranianas.
Piontkovski imagina que o
Kremlin poderia soprar um plebiscito, por exemplo, na cidade estoniana de
Narva, de maioria russófona. Então, para ajudar os cidadãos a “exprimir
livremente sua vontade” nas urnas, a Rússia enviaria uma brigada de “pequenos
homens verdes” – na verdade armados até os dentes, como fez na Criméia.
A Estônia invocaria o artigo 5
da Carta da OTAN: “um ataque armado contra um ou vários [membros da OTAN]… será
considerado como um ataque contra todos os outros membros”. Precisamente após o
presidente Obama ter declarado semanas atrás que “a defesa de Tallinn, Riga e
Vilnius é tão importante como a defesa de Berlim, Paris e Londres”.
De repente o mais terrífico
dos pesadelos se tornaria realidade: a OTAN estaria diante da eventualidade de
fazer a guerra contra a Rússia.
Piontkovski acha que a OTAN
não atacaria Moscou para defender uma nação tão longe do coração dos países
membros. O mesmo bradariam muitos americanos que nessa hora agiriam como
colaboracionistas do pior inimigo.
Putin lançaria então um ataque
nuclear limitado contra uma ou duas capitais europeias – nunca Paris ou Londres
– mas cidades pequenas. Talvez até Varsóvia, contra a qual a Rússia já realizou
manobras de simulação de um ataque nuclear. Ou contra a capital lituana,
Vilnius.
Neste cenário hipotético,
Putin visaria a uma capitulação real da OTAN. E então ficaria livre para fazer
o que bem entende com a Ucrânia e a Europa.
À primeira vista, o cenário
parece ser puxado pelos cabelos, reconhece The Atlantic.
Os riscos são imensos. O mundo
inteiro poderia ficar contra Putin.
A isso se acresce que o
sentimento nacionalista pró-guerra na Rússia está muito misturado com o
sentimentalismo e a contrainformação oficial, que anuncia vitórias russas
dignas de cinema.
Quando a realidade da morte e
da destruição atingisse a Rússia, Putin poderia perder o controle de seu
próprio país.
Mas, de outro lado, a moleza
do Ocidente – por exemplo, diante do massacre dos cristãos no Oriente Médio –
estimula uma aventura louca.
Os apelos inconsistentes à
paz, ao diálogo e ao ecumenismo vindos da diplomacia vaticana e de altos
prelados católicos aplaudidos pelo coro da mídia pacifista, sinalizam que o
espírito de reação ocidental está sendo desarmado desde os púlpitos,
eclesiásticos e/ou midiáticos.
Na hora de Putin tomar a
decisão fatídica, as hesitações de Obama e dos dirigentes de potências
nucleares europeias falariam no sentido de que eles não vão apertar qualquer
botão em represália.
Poderia ainda haver não poucos
cenáculos ou sacristias mais insuspeitados onde se torceria pelo “novo Carlos
Magno” que vem do Oriente, pelo “cavaleiro do Norte” e “líder cristão”
contrário à corrupção da família.
Se essas condições se derem,
Putin poderá julgar chegada a hora de desatar o holocausto nuclear.
E então o sombrio chefe do Kremlin
poderia levar a melhor.
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