Jacinto Flecha
Quando os aviões não
eram apenas máquinas de transportar passageiros, o gado humano que neles
entrava recebia todas as atenções da equipe de bordo. A ponto de um
incorrigível pessimista apontar tais gentilezas como recurso das companhias
aéreas para os passageiros esquecerem os riscos de acidentes prováveis.
Bastante curiosa, aliás, é a quase total ausência de conversa entre eles
durante a viagem, mesmo sendo amigos e sentados um ao lado do outro. Estou à
procura de quem me explique isso.
Tudo muda para pior, neste
mundo doente de pessimofilia, e basta uma viagem aérea para perceber que o
serviço de bordo vem piorando. Como os riscos diminuíram, as empresas aéreas
reduzem as gentilezas e ganham um pouco mais.
Eu estava curioso em atualizar
também minhas informações sobre as salas de espera de serviços médicos, mas
minha boa saúde me tem mantido longe delas. Pude constatar recentemente que
elas também mudaram.
(Lá vem ele lamentar que
pioraram).
Pioraram sim, mas a piora que
notei talvez não seja a mesma que você notou. Melhoraram o conforto, a limpeza,
as instruções sucintas e maquinais das atendentes uniformizadas, a eficiência
dos computadores do sistema, que agora pensam duas vezes antes de se declararem
fora do ar. Nem vou lamentar que cada paciente seja apenas o segurado número
tal, senha número tal, em lugar do Senhor ou Senhora Fulano de tal, pois o
anonimato globalizado rebaixou todo mundo a isso.
Antes de contar o que apurei
na minha incursão por salas de espera, lembro que elas funcionavam antigamente
como pontos de encontro, onde pessoas conhecidas ou desconhecidas trocavam
ideias, queixavam-se das mesmas dores ou problemas, ensinavam cataplasmas para
alguma dor do filhinho, sugeriam remédios ótimos que tomaram, mesmo sendo outra
a doença do outro. Pontos de expansão do calor humano, elaborados ao longo dos
séculos, servindo também como correias de transmissão de informações. Em pontos
desses, nas margens dos rios, lavadeiras trocavam informações sobre grandes
bagatelas de interesse local, nas famosas conversas de lavadeira.
Hoje elas são uma categoria extinta, cujo calor humano foi aniquilado pelo
ruído monótono e impositivo da máquina de lavar.
O meu exame exigia que eu
esperasse duas horas depois do preparo, e na sala de espera pude observar
dezenas de pessoas que entraram, permaneceram, saíram.
• Primeira mudança – O
paciente chega com um papel na mão e entrega-o a uma recepcionista. Ela o lê e ordena:
Entre neste corredor, vire no primeiro à direita, entre na sala tal e aguarde
ser chamado. Ao seguinte, manda sentar ali mesmo e aguardar; e assim por
diante. Surgindo alguma dúvida, outra informação se faz ouvir com o tom
metálico de secretária eletrônica, e ambos se reduzem novamente ao silêncio.
Resultado: Mutismo
empresarial, erigido em culto à eficiência. Substitui o calor humano por um
sorriso gélido tipo Stop. No trespassing.
• Segunda mudança – Claro
está que as pessoas poderiam conversar, se lhes interessasse. Mas não se
interessavam. Por quê? Porque o direito de falar qualquer tolice era exclusivo
de uma televisão colocada bem alto num canto da parede; e com as cadeiras
voltadas para lá, a fim de ninguém deixar de vê-la e ouvi-la.
Resultado: Mutismo loquaz de
quem fala sem pensar, dirigido a quem não fala porque não o deixam livre para
pensar.
• Terceira mudança – Meu
absoluto e irredutível repúdio à televisão me levou a sentar-me ostensivamente
de costas para o referido canto de parede. Fiquei assim de frente para todos,
disponível para trocar ideias sobre bagatelas de interesse comum. Mas todos
haviam inclinado a cabeça para trás, acintosamente indiferentes a este
comunicativo escriba, e embevecidos com as tolices do energúmeno pendurado acima
da minha cabeça. Não aprendi a conversar com pescoços, por isso limitei-me a
observar as caras, tão vazias quanto aquele cofrinho esférico, cuja única
utilidade é servir de tampa para o pescoço que o sustenta.
Resultado: Mutismo voluntário
de quem não pensa e nada tem a dizer.
• Quarta mudança – Ninguém
conversava, ninguém comentava o que via ou sabia, ninguém reclamava. E na falta
de contato humano, a única menina ali presente também não conversava, mas
divertia-se com outras imagens aliciantes num instrumento moderninho chamado tablete.
Resultado: Mutismo
informático, de quem olha tudo e não sabe nada.
• Quinta mudança – Mutismo
globalizado, imposto, modelando autômatos com déficit irremediável de massa
cinzenta pensante.
Ôps! A senha 528 vai ser
examinada. Com licença.
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