Rui Ramos
Sob o actual regime fiscal, Portugal pode
estar a caminhar para uma despromoção social maciça. Noutros países, a classes
médias podem estar a morrer; aqui, vão ser assassinadas.
No mesmo dia em que o Conselho
das Finanças Públicas baixou a previsão de crescimento do PIB, os acólitos
bloquistas do governo anunciaram mais impostos. Mas a maioria social-comunista
não nos quer ver alarmados. Só “eles” estão em risco. Eles, os “ricos”. Não
nós, a “classe média”. É curioso: quando se trata de “devolução de rendimento”,
a maioria faz de conta que é para todos; quando fala de impostos, finge que é
só para alguns. Esta retórica supõe que é fácil segmentar a sociedade entre
“eles” e “nós”. Mas não é.
O património imobiliário não
divide os portugueses entre “eles” e “nós”. Para começar, porque não depende
necessariamente de rendimentos actuais. Pode resultar de heranças ou de
aquisições antigas. Não é impossível que uma família tenha um património
imobiliário relativamente elevado para os seus rendimentos (foi aliás por isso
que o critério do património já serviu para excluir pessoas do RSI). A
propriedade em Portugal não é um luxo. Portugal é um dos países europeus com
mais casas e mais proprietários. A propriedade imobiliária foi sempre um ideal
de toda a sociedade, que o Estado e a banca, até há pouco tempo, incentivaram
através do crédito. Para a maioria dos portugueses, a casa é a sua poupança.
Castigar a propriedade é castigar a poupança, os ideais, as esperanças de
gerações de portugueses.
Dir-me-ão: mas o imposto,
ainda “em estudo”, é só para os patrimónios avaliados pelo fisco acima de 500
mil euros. Pode, para já, não ser para todos. Mas o princípio do imposto tem
consequências para todos. Quem é que, tendo uma casa, se poderá agora sentir
seguro? As regras mudam todos os seis meses, como notou a Dra. Teodora Cardoso.
Porque não hão de mudar outra vez em 2017 ou em 2018?
No PREC, em 1975, os
antecessores de Jerónimo de Sousa e de Catarina Martins também prometeram
expropriar só os “latifundiários”. Vasco Gonçalves cansou-se de repetir que os
“pequenos proprietários” estavam a salvo. Os pequenos proprietários nunca
acreditaram. A norte, onde eram mais numerosos, saíram à rua. “Manipulados pela
reacção”, dizia o PCP. Não: conscientes de que a expropriação punha em causa,
não apenas a propriedade do rico, mas o princípio da propriedade de todos. A
propriedade deixara de ser garantida pela lei, para ficar à mercê do arbítrio
do poder. Hoje eram os grandes proprietários de Beja; amanhã podiam ser os
pequenos proprietários de Bragança.
O imposto agora também é só
para os “ricos”. Mas quem decide o que é um “pobre” ou um “rico”? É o poder
político que decide o que somos. Amanhã, um apartamento de 150 mil euros na
Amadora pode bem tornar-se, para fins fiscais, um “palacete de luxo”. Basta as
finanças precisarem. E talvez precisem. A propriedade nas grandes fortunas é
complexa. Os maiores investidores imobiliários vão retrair-se. Não é por isso
improvável que o fisco, para arranjar receita, ainda tenha de descer mais uns
degraus na escala patrimonial. Nesta roleta russa fiscal, a pistola está
apontada à cabeça de todos.
O governo vive para a meta do
défice, de que depende o financiamento europeu. Se o Estado gasta mais e a
economia não gera mais receita, há que recorrer à “justiça fiscal”. Mas quanto
mais impostos o governo aumenta, menos a economia cresce, e mais impostos
precisa de aumentar. É assim a espiral recessiva por via fiscal. E o que vai
acontecer à classe média, com esta carga tributária, quando o petróleo se
tornar mais caro e os juros subirem? Sob este regime fiscal, Portugal pode
estar a caminhar para uma despromoção social maciça, sem paralelo na nossa
história. Noutros países, a classes médias podem estar a morrer; aqui, vão ser
assassinadas.
Título e Texto: Rui Ramos, Observador,
16-9-2016
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